
E amanhece em áfrica e sobem a bordo cheirosas senhoras bem, piedosas senhoras bem, só os vestidos são mais leves e a pele mais morena, uma banda toca marciais marchas, desta vez não há lenços brancos a acenar, só os capacetes da polícia militar.
O corneteiro toca a formar, pelotão, companhia, desce-se o portaló do navio e gritam-lhes, Toca a despachar seus checas de merda, toca a subir para as berliets.
No cais não se reconhece ninguém.
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Eu não me lembro, não vivi a guerra, só sei de ir à escola e fugir para o rio e roubar mangas e papaias. Talvez não tenha sido bem assim, mas é assim que eu recordo as palavras dos que lá estiveram e me contaram. Do resto só sei o que li, porque os que me contaram, chegando aqui, puxam do baú da memória de velhas estórias de copos e putas e impalas abatidas a tiro de g3 e de súbito recordam o 29, O gajo de mangualde ou será que era de manteigas, O gajo era lixado para a paródia, uma vez íamos na picada e ..., e embaciam-se-lhes os olhos, embarga-se-lhes a voz e emudecem. E eu não insisto.
Talvez um dia, quando o peso dos anos e o tempo tiverem amainado a sua dor e sentirem necessidade de revelar aos seus netos o que aconteceu, talvez nesse dia me contem e eu então contarei, para que se não esqueça...
.foto: Centro de Documentação 25 de Abril - Universidade de Coimbra
8 comentários:
Um beijinho, Magude!
Eram estes os homens que eu via passar com olhar perdido, antes de embarcarem novamente para o a guerra... para o norte, para o fim do mundo e da vida. Às vezes, regressavam, inteiros de corpo, mas de alma desfeita, bombardeada, amputada e isso também se via nos olhares.
Desculpa, tenho de ir, há memórias que eu não aguento!
Tanta coisa errada e ainda o obscurantismo, a repressão, a manipulação de massas...há marcas que deixam eternas mágoas...beijo, th
Obrigado amigo.
Foram tantas as recordações dos amigos que lá morreram, e dos amigos que de lá voltaram,que quando os recordo a garganta se me aperta e a lágrima escorre.
Aquilo era mesmo assim.
Vou tirar cópia para as minhas filhas lerem,e compreenderem porque é tão doloroso falar daqueles dois anos da minha vida,e não me olharem sem perceberem porque ainda hoje choro ao falar desses amigos,os mortos e os que regressaram com vida.
Mais uma vez OBRIGADO
Navios negreiros duma juventude. Obrigado Magude, "para que se não esqueça"
Também eu agradeço, Magude.
Só agora descobri o teu blog (já não era sem tempo :) Beijinhos, amigo!
Bons posts.
A guerra colonial, que também não vivi, é um tema que me fascina. Creio que, com facto histórico, ainda não está muito trabalhado pelos historiadores.
Talvez porque ainda haja memórias demasiado vivas e dolorosas...
E eu também: OBRIGADA! - abraço comovido, IO.
Carne para canhão a juntar-se à carne que já lá estava.
Cumprimentos
Eugénio Almeida
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