O título desta crónica é propositadamente ambivalente, jogando com as idiossincrasias da língua portuguesa pré e pós Acordo Ortográfico. O que eu quero dizer é que a questão da publicação, na íntegra, das actas das RC (Reuniões de Câmara) na página Web da mesma continua sem chegar a bom porto.
Ouvi, há algum tempo, uma primeira explicação da Sra. Presidente da Câmara, remetendo as razões da suspensão da publicação das actas para a necessidade de, sendo nestas citados nomes e acções individuais, salvaguardar a protecção dos dados destas pessoas. Este argumento não me convenceu. Ouvi, na Reunião de Câmara havida hoje, na sequência de uma proposta do PS, novas justificações, que se prendem, desta feita, com o facto de nas actas constar informação que não reflecte o que vai sucedendo nas Reuniões de Câmara, e de, por outro lado, reflectirem aquilo que, por vezes, de menos digno acontece, e que, em sua opinião, não deveria ser publicitado. Referiu ainda como motivo para a suspensão a utilização abusiva, feita por algumas pessoas e, particularmente, alguns blogues, do conteúdo das actas, quer citando fora de contexto, quer servindo-se do mesmo para fins insultuosos ou difamatórios. Este novo argumento também não me convence.
Da votação que se seguiu à proposta do PS, no sentido de as actas voltarem a ser publicadas, na íntegra, na página Web do Município, resultou que a mesma foi aprovada, com os votos a favor do PS, PSD, do Vereador Manuel Bichardo e a abstenção da Presidente da Câmara. Em boa verdade, a abstenção da Presidente ocorre por ser seu entendimento que a Câmara não tem poderes para deliberar nesta matéria, por ser sua competência exclusiva. Por outro lado, tanto o Vereador Manuel Bichardo como a Vereadora Fernanda Policarpo, afirmaram ser a favor da publicação das actas no meio citado, mas limitando-se a um resumo, ou seja, a referir os resultados das votações ocorridas em RC. De fora ficariam as intervenções feitas no Período de Antes da Ordem do Dia, as Declarações de Voto, o relato do debate e mesmo as Intervenções de Munícipes.
Resulta clara a leitura da Lei 169/99, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei 67/2007, no Art.º. 68, nº 1, alínea m), que refere como competência do Presidente da Câmara “assinar ou visar a correspondência da câmara municipal com destino a quaisquer entidades ou organismos públicos”. A Sra. Presidente utiliza este argumento para se justificar, dizendo ser sua competência publicar, ou não, as actas. Não me parece correcta esta interpretação: o artigo refere-se única e exclusivamente a correspondência destinada a entidades ou organismos públicos, nada diz a respeito da publicitação de actos públicos da autarquia. Por outro lado, se alguém utiliza, de forma abusiva e infringindo a Lei, o conteúdo das actas, deverá a Câmara proceder em conformidade, ou seja, deverá agir judicialmente contra o prevaricador.
De qualquer modo, e como não gosto de serrar presunto, deixo-vos com a seguinte argumentação:
1 - A Câmara Municipal de Nisa está sujeita à Lei n.º 46/2007, de 24 de Agosto, Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea e). Serão deste diploma os preceitos normativos mencionados posteriormente sem outra referência.
2 - De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º, considera-se documento administrativo qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo 4.º, ou detidos em seu nome. O regime geral do acesso aos documentos administrativos consta do artigo 5.º, nos termos do qual “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”. São, em princípio, de acesso livre e generalizado.
3 - As actas, uma vez aprovadas, constituem, em princípio, documentos administrativos sujeitos ao regime de acesso livre e generalizado. Trata-se de documentos que contêm o resumo do essencial do que se passou nas reuniões a que dizem respeito. Sabendo nós que das actas das RC pode constar informação reservada, por exemplo, apreciações de processos disciplinares devem estas ser expurgadas da informação reservada que, eventualmente, contenham (Art.º 6.º, n.º 7).
4 - As actas respeitantes às reuniões públicas de qualquer órgão autárquico não devem conter informação reservada, respeitante à reserva da intimidade da vida privada de quem quer que seja. Constituem documentos não nominativos, de acesso livre e generalizado, aos quais todos podem aceder, sem necessidade de justificar ou fundamentar o pedido.
5 – Pelo acima exposto, nada na Lei impede a publicitação das actas de RC na página Web da autarquia. Mais: dizer que a Lei apenas obriga à sua publicação em suporte papel, datando a legislação de referência dos anos 90, é redutor: não estaria certamente no espírito do legislador, nessa época, a importância, enquanto meio de comunicação, que a Internet hoje tem. Creio que resulta da interpretação, quer da Constituição quer de diversa legislação, alguma aqui referida, que o acesso dos cidadãos á informação acerca dos actos públicos do Estado deve ser célere e o mais abrangente possível. Dizer o contrário é fugir ao espírito da Lei e sonegar direitos aos cidadãos.
6 – A opinião aqui expressa, que tive oportunidade de comunicar à Câmara, no período que a Lei para tal me concede, é fundamentada em diversos pareceres da CADA – Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, entidade competente nesta matéria.
.
PS: enquanto a CMN não voltar a publicar na sua página web, na íntegra, as actas das Reuniões de Câmara, solicitarei aos serviços competentes fotocópia das mesmas, ao abrigo da Lei 46/2007, procedendo depois à sua publicação aqui na Mala.
.
PS: enquanto a CMN não voltar a publicar na sua página web, na íntegra, as actas das Reuniões de Câmara, solicitarei aos serviços competentes fotocópia das mesmas, ao abrigo da Lei 46/2007, procedendo depois à sua publicação aqui na Mala.
3 comentários:
Sobre este assunto apraz-me comentar o seguinte:
Antes de mais quero começar por referir que concordo com a tua posição, não apenas neste assunto, mas também noutras exposições que aqui tens feito sobre outras matérias. Por isso reafirmo que as Actas deveriam ser publicadas no site oficial do Município de Nisa, pois trata-se de um veículo privilegiado para a divulgação da actividade municipal. Contudo, também me quer parecer que toda esta celeuma, feita “novela” em redor da publicação online das actas, está por demais exacerbada, do tipo “a montanha pariu um rato”. As actas sempre estiveram, estão e estarão disponíveis para consulta pública na Biblioteca Municipal, nos Paços do Concelho, no átrio do Hospital Velho e na Loja do Munícipe, pelo que só não as consulta quem não quiser. Em lado nenhum está escrito que obrigue a sua publicação no dito site da Autarquia. Mas, ok, eu percebo, infelizmente, as últimas reuniões do executivo têm sido pretexto, para que um certo tipo de observadores, cuja grande maioria vagueia pelo ciberespaço sob anonimato e que por aí vai proliferando, possa encher o ego a gozar o pagode, mais preocupados com o show off político, do que propriamente com a tomada de decisões para a governação e administração do concelho de Nisa.
Sérgio Cebola
Caro Sérgio,
Respondo ao teu comentário com um poema de Martin Niemöller:
"Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse."
Enviar um comentário