quinta-feira, 12 de agosto de 2010

His master's voice


Ao longo das últimas semanas, com particular incidência nos últimos dias, de todo o lado, quase a todo o momento, nos chegam notícias de mais um incêndio fora de controlo, de mais uma população em pânico, quase à beira da histeria, de bombeiros exauridos, feridos ou mortos.

Ouvimos os suspeitos do costume, presidentes de Junta e Câmara, clamando por mais e mais apoio, Comandantes de Corporações de Bombeiros, reclamando da exiguidade de viaturas e verbas, o Comandante Nacional Operacional da Protecção Civil, tecnicamente dissecando as operações no terreno, o Ministro da Administração Interna, debitando estatísticas para as câmaras de televisão, a partir de improvisados telepontos, não vá esquecer-se de elencar um camião cisterna que seja. São as matas que se não limpam, nem as do Estado, que não é, neste particular como em outros, pessoa de bem, é a porra da beata incautamente lançada do automóvel, é a “mão criminosa”, como se por aí pululassem mãos sem um braço e o resto do corpo atrás, coisa mais própria de um quadro de Dali do que de pessoas com dois dedos de testa e responsabilidade política. A gente do costume, as palavras do costume e, perdoem-me o vernáculo mas é mesmo o que me apetece dizer, a mesma merda de sempre.

Estarão lembrados de postagem recente aqui na mala, em que afirmei ser minha convicção que, para defender sem vacilar aquilo em que acreditamos, são necessárias duas coisas: coluna vertebral e… tomates! Ontem, ao ouvir declarações do Governador Civil de Aveiro, José Mota, julguei estar terminada a minha emulação de Diógenes de Sínope e poder apagar a lamparina, encontrado por fim um político com a primeira na vertical e os segundos no sítio. Um Governador Civil, cargo que como sabem é de confiança política, normalmente prémio de consolação para gente do aparelho do partido do Governo, que não obteve o assento pretendido num qualquer acto eleitoral, vir a terreiro com o que seria uma proposta drástica para resolver o problema dos incêndios, foi coisa para me deixar entre o alvoraçado e o esperançoso.

José Mota começou, na entrevista que vi, por ser curto e grosso, assumindo sem rebuço que a maioria dos incêndios deste país tem origem criminosa, premeditada, provocada por gente a soldo de interesses económicos que não identificou. O mais importante foi o que não disse, mas pensou, e toda a gente percebeu: nas entrelinhas, foi deixando claro que advoga o alargamento da moldura penal pelo crime de fogo posto, sugerindo a introdução de medidas preventivas de coação, que poderiam passar pela aplicação de pulseiras electrónicas ou internamento de incendiários cadastrados.

Alvíssaras, temos homem, pensei, para acto contínuo me desenganar, perante uma das mais rápidas retiradas estratégicas que me lembro de ter visto! Quando o jornalista que o entrevistava mencionou o facto de as medidas sugeridas implicarem uma alteração legislativa, algo recusado pelo Ministro da Administração Interna, seu superior na hierarquia do Estado, que considera ser a lei perfeitamente adequada a estes casos, José Mota engasgou-se, parou para pensar e recomeçou, com um discurso titubeante, em que, de repente, o problema até já nem era tanto a questão legislativa, antes passava pela cobardia das populações afectadas, que não denunciam os incendiários.

Voltei a acender a lamparina e retomei a busca. Perante a voz do dono, os cães baixam as orelhas e metem o rabo entre as pernas.
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imagem daqui: www.wikipedia.com

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