Vi ontem, como certamente terão feito muitos milhares de portugueses, a entrevista concedida á RTP pelo Presidente da República, Cavaco Silva.
Como é seu apanágio, refugiou-se em evasivas, em palavras ocas, aqui e ali entremeadas por algumas indirectas e um "lapsus linguae" que passou despercebido à entrevistadora e não foi por esta aproveitado. Ficamos todos a saber que já foi Primeiro-Ministro, que é economista e professor e que é um homem de honra, algo que não questiono minimamente, mas que não basta para fazer de Cavaco Silva um bom Presidente da República. Não se pronunciou de forma clara sobre a actuação do PGR, sobre o PEC, sobre os "fait divers" que vão assolando a actual cena política nacional, sobre as relações entre a Presidência e o Primeiro-Ministro, ou, usando as suas palavras, para não ter que falar no demo, o Governo.
A campanha de candidatura a um segundo mandato de Cavaco Silva teve início na semana passada, quando abriu ao povo português as portas da sua casa de "pater familiae" de classe média, na Travessa do Possolo, e do Palácio de Belém. Continuou com esta entrevista, em que fez questão de ir reafirmando a sua independência e equidistância dos partidos políticos e o seu papel enquanto baluarte da estabilidade nacional. Ou seja, assumiu de vez o epíteto de "homem do leme", que em tempos lhe atribuíram, que surge como nos filmes, vindo do meio da tormenta, contra ventos e marés, conduzindo a nau a porto seguro. Manuel Alegre e Fernando Nobre avançaram já com a intenção de se candidatarem à Presidência da República, a corrida está lançada, e Cavaco Silva apressa-se a entrar nela, de modo subtil (ou nem tanto), aproveitando a condição privilegiada que a sua posição lhe confere.
Nos tempos difíceis que atravessamos, queremos, ou pelo menos quero eu, que os políticos, todos eles e, por maioria de razão, o Presidente da República, deixem por uma vez de lado os habituais rodriguinhos e jogos de bastidores, que assumam com clareza e frontalidade o seu papel nesta crise, que nos transmitam algum conforto e esperança. Meias-palavras, meias-verdades, ao serviço de agendas políticas próprias, não me transmitem nem uma coisa nem outra, e a entrevista de ontem foi apenas, e de novo, mais do mesmo.
O PEC esteve esta semana na berlinda. Entre as muitas medidas desta versão do documento (da encapotada subida de impostos, do apertar do cinto da classe média a querer fazer querer que desta vez é que os ricos vão pagar a crise), que como disse o Presidente da República para não dizer nada, não é ainda a final, encontra-se a intenção do Governo de alienar grossa fatia do património público, incluindo a privatização de algumas empresas estatais.
Ninguém mais do que eu defende o liberalismo económico, a diminuição da intervenção do estado no tecido empresarial, o fim de algumas "golden shares" que vão servindo como incerta espada de Demócles, ao serviço do capricho de cada Governo que se sucede. Por outro lado, creio que determinados sectores empresariais, nomeadamente na área da energia, estratégicos para o desenvolvimento nacional, não devem de todo cair na mãos de privados.
O que vejo no entanto é que este Governo, na ânsia de conseguir a todo o custo a diminuição do défice das contas públicas e da taxa de inflação, se propõe vender boa parte daquilo que é património de todos nós. Nada de novo, nada que anteriores governos não tenham já feito. Mas fico a pensar numa coisa: ainda que ultrapassemos mais esta crise, lá para 2013 ou 2014, certamente outras se lhe seguirão, pois se alguma lição devemos retirar da História é que as crises económicas e financeiras são cíclicas, agravadas nos nossos dias por uma crescente globalização dos mercados. O que vai então suceder? O que farão os futuros governos a quem couber a solução dessas crises, quando já não houver empresas públicas para vender, património para alienar? É que nestas coisas, vão-se os anéis e os dedos, hipotecando de forma irreversível a nossa margem de manobra futura. Ou será que foi definitivamente aceite que o último a sair é que apaga a luz?
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imagem daqui: http://download.ultradownloads.com.br
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Adenda: já me vai causando comichões a conversa de que a Grécia está pior do que Portugal. Estamos mal, mas a Grécia está pior. Que raio de argumento, político ou económico, é este ? Devo sentir algum tipo de gratidão por alguém estar pior do que eu? Deverá isso servir-me de consolo? Com o mal dos outros, posso eu bem! Tratem é de fazer com que eu fique melhor!
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