segunda-feira, 15 de março de 2010

Cego, surdo e mudo?

É comum, numa prática que, estou certo, não se resume a Portugal, a existência da chamada “disciplina partidária”. Quer isto dizer que o eleito por determinado Partido é obrigado, por força de instrução das cúpulas ou por decisão maioritária de militantes, a votar de acordo com essa instrução ou decisão, ainda que não seja essa a sua convicção pessoal.
Vemos esta situação no nosso Parlamento em todas as sessões legislativas: aquando da votação de assuntos de importância maior, principalmente tratando-se de questões fracturantes, alguns partidos, se não todos, indicam o sentido de voto aos seus Deputados.
Indo mais além, o PSD votou e aprovou, no Congresso que ontem terminou, uma alteração estatutária que impede os seus militantes, naquilo que já se tornou conhecido como a “lei da rolha”, de criticarem a Direcção do Partido nos 60 dias anteriores à realização de actos eleitorais. Esta proposta partiu de Pedro Santana Lopes, o que se entende, se pensarmos que enquanto líder do PSD e Primeiro-Ministro, o homem mais parecia um daqueles bonecos da Feira Popular a que se atiram umas bolas para ganhar um prémio, tanta era a cacetada que levava, de dentro do seu próprio Partido. Com amigos assim, ninguém precisa de inimigos.
Não se pense que estou aqui a criticar o PSD: “tanto se me dá como se me faz” o que os militantes do PSD, em sede própria e de acordo com os seus estatutos, decidem, concorde eu ou não. Mas não posso deixar de achar muito curiosa a reacção dos três candidatos à liderança do Partido, que durante o Congresso e perante a apresentação desta proposta assobiaram para o ar, para no final virem dizer que não concordam com a mesma.

Quero chegar mais longe, ao que representa um Deputado, qual a sua ligação ao Partido e aos seus Eleitores, perante quem deve responder e com quem deve estar a sua lealdade.
Sabemos todos que os Partidos apresentam candidatos, por Círculo Eleitoral, às Eleições Legislativas. Esses candidatos, militantes ou independentes, subscrevem o Programa Eleitoral do Partido que os apresenta a sufrágio. Ou seja, todos os candidatos sabem, ou deveriam saber, que linhas orientadoras o Partido, através da elaboração de um Programa Eleitoral, apresenta ao eleitorado: se aceitam submeter-se a eleições por determinado Partido sabem exactamente com que linhas é que se cosem.
Por outro lado, depois de eleitos, os Deputados representam os eleitores do Círculo Eleitoral que os sufragou, devendo defender os interesses e opiniões dos mesmos.
Posto isto, e perante uma qualquer votação na Assembleia da República, que sentido de voto deverão os Deputados tomar: aquela que lhe é imposta pelo Partido, a que os seus eleitores desejam, ou a que lhes dita a consciência?

Tenho para mim que os Deputados estão para a Política como os Padres para a Igreja: quem não concorda com o celibato que não vá para Padre. As regras do jogo são conhecidas à partida. Vir, “a posteriori”, dizer que não se concorda com esta ou aquela imposição do Partido é enganar este e os eleitores. Quem não quer ser lobo não lhe veste a pele.
A relação entre candidatos e eleitores existe, em profusão, durante as campanhas eleitorais, em acções ensaiadas de modo a obter uma maximização da divulgação e construção de uma imagem. Findas estas, e depois de eleitos, que relação passa a existir, se é que existe alguma? Algum Deputado promove encontros regulares com os seus eleitores, de modo a ir auscultando as suas reclamações e anseios? Ou limitam-se a permanecer no seu lugarzinho na respectiva bancada e a carregar no botão, à ordem do Presidente da Assembleia, para votar a favor ou contra, nisto ou naquilo, consoante as instruções do Partido?

Creio firmemente que a obrigação primeira de um Deputado é para com os seus constituintes, não para com o Partido, ao sabor de interesses conjunturais. E acho no mínimo curioso que, numa altura em que quase caem “o Carmo e a Trindade”, num movimento subscrito por toda a Oposição, contra uma suposta interferência do Governo em alguns meios de Comunicação Social, cerceando assim a Liberdade de Imprensa, e em que tanto se fala em défice democrático, que todos os Partidos (o PS, por ora no Governo e com maioria parlamentar também já tomou atitudes idênticas, e certamente voltará a tomar, logo que volte à Oposição) não comecem por olhar para a sua própria casa, para os seus telhados de vidro: proibir um Deputado de votar em consciência, ou um militante de criticar a Direcção do Partido, não é uma séria e flagrante violação dos princípios democráticos? Deverão os nossos Deputados ser cegos, surdos e mudos?
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