domingo, 7 de março de 2010

Fogueira de vaidades


Se há algo que caracteriza a arte é a sua subjectividade: nenhum de nós, artista ou público, percebe do mesmo modo seja que tipo de intervenção artística for. Ou no dizer do povo, “que seria do amarelo se todos gostassem do azul”.
Vem isto a propósito do documentário “Enxoval”, que ontem visionei na RTP2, um documentário de Kitty Oliveira, Pedro Macedo e Isabel Freire, sobre o processo de construção da obra “Valquíria Enxoval”, da artista plástica Joana Vasconcelos.
Gostei mais da parte inicial, mais intimista, com a Ti Rosário, do Cacheiro, mas no geral considero o documentário interessante, com imagens de grande valor estético.
O mesmo, confesso, não posso dizer das produções artísticas de Joana Vasconcelos, que não me dão aquele arrepio na espinha quando se me apresenta algo que, pela minha bitola, é de facto verdadeiramente inovador e grandioso.
A arte não é imune a modismos. E Joana Vasconcelos está na moda, levada ao colo pela comunicação social e pelos fazedores de opinião. Nestas coisas da arte, como em outras, “vale mais cair em graça do que ser engraçado”. Entendo o plano conceptual das suas obras, a sua linha estética, mas de modo puramente cerebral, quando a arte, nas suas múltiplas formas, deve ser recebida de forma visceral. Pelo menos comigo é assim que funciona: ou sinto o tal arrepio na espinha ou a coisa já lá não vai.
Com a melhor das intenções, estou certo, a Câmara Municipal de Nisa, embarcou na visão de Joana Vasconcelos e financiou a sua peça “Valquíria Enxoval” e este documentário. O objectivo seria, creio eu, mais do que revitalizar o artesanato de Nisa, promover a imagem do Concelho no país e fora dele.
Esta financiamento do Município, por aquilo que pude saber consultando documentação oficial disponível na Internet, terá ascendido a 29.200,00€, sendo o restante valor da obra, no valor de 50.800,00€, coberto por uma candidatura ao POA-FEDER. Desconheço se este valor cobre também a produção do documentário, ou se para isso houve outra dotação orçamental.
A questão do financiamento é para mim pacífica: os municípios têm obrigações na área da cultura, como em outras, que não podem ser esquecidas. Mas em época de contenção financeira, em que a realização de tantas outras coisas está a ser posta em causa, terá este apoio sido sensato?
Costumo eu dizer que as coisas podem ser ou caras ou custarem muito dinheiro. Se, por exemplo, me deslocar a um restaurante sem instalações, ementa ou serviço de qualidade e me pedirem 30 euros por uma refeição, isso é caro. Mas se instalações, ementa e serviço tiverem qualidade, isso é apenas muito dinheiro, pelo menos para mim que não sou rico. Ou seja, tudo se resume à existência de uma relação custo/benefício equilibrada, tendo em consideração o serviço, produto ou objectivo que se pretenda atingir ou adquirir.
Qual o objectivo da Câmara Municipal de Nisa ao financiar este projecto? Já aqui referi que presumo ter sido promover o concelho de Nisa. Conhecemos assim objectivo e custo. E o benefício?
Em que medida contribui para a promoção do Concelho a exibição de uma peça de arte, que supostamente até deveria estar no Núcleo Central do Museu do Bordado e do Barro (embora eu não consiga vislumbrar muito bem onde, dadas as suas dimensões), no Complexo Termal da Fadagosa de Nisa? Perdoem-me a pergunta, mas não seria melhor divulgado o nosso artesanato se nesse local existisse uma exposição permanente do mesmo e, porque não, a sua venda?
Em que medida contribui para a promoção do Concelho de Nisa a exibição do documentário no sábado passado, na RTP2, com um “share” de audiência de 3,5%, o que o coloca no 39º lugar dos programas mais vistos nesse dia? Ou a sua exibição, em seis dias nos meses de Março, Abril e Maio, no Auditório do Museu Colecção Berardo? Ou a sua exibição no Cine Teatro de Nisa, no dia 18 de Abril, integrado no Festival de Cinema Documental promovido pela INIJOVEM? A quantos cidadãos portugueses ou estrangeiros vai chegar a mensagem? Em quantos vai despertar o desejo de visitar Nisa?
Sei que são muitas perguntas, mas parecem-me legítimas. Em minha opinião, a Câmara Municipal de Nisa embarcou num projecto elitista, de retorno incerto e insignificante, mas consentâneo com uma certa onda “gourmet” que parece varrer o nosso país. E Joana Vasconcelos sai desta fogueira de vaidades como a maior, se não única, beneficiada.
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Adenda: mais uma vez recebi comentários, uns lisonjeiros, outros nem tanto e não publiquei nenhum. De novo informo que não público comentários anónimos ou escritos sob pseudónimo. Do mesmo modo não publico comentários com linguagem ofensiva.

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