
Terminou no passado dia 25 de Março o concurso televisivo da RTP1 intitulado "Os Grandes Portugueses", que visava eleger, através do voto de todos nós, a personalidade mais marcante da História de Portugal. Programas similares foram já emitidos no Reino Unido, onde o formato teve origem, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, República Checa, Roménia, Bulgária, Finlândia, Estados Unidos, Canadá, Equador, África do Sul e Nova Zelândia, estando em fase de produção no Chile. Na maioria destes países a votação foi completamente aberta, ou seja, nenhum nome foi vetado, mesmo em países com figuras controversas: na Roménia, por exemplo, o antigo ditador Nicolae Ceausesco ficou classificado em 11º lugar. Por outro lado, na Alemanha foram vetados vários nomes, entre eles Adolf Hitler ou Erich Honecker (líder da antiga República Democrática Alemão, entre 1971 e 1989). Na África do Sul, após muita polémica e por pressão do público, o programa foi suspenso apenas cerca de mês e meio após o seu início, dado que entre os mais votados se encontravam nomes polémicos como Endrik Verwoerd (o "arquitecto" do famigerado "apartheid") ou Eugène Terre'Blanche (líder do "Afrikaner Weerstandsbeweging", grupo político e paramilitar apologista da supremacia branca).
Logo desde o início de "Os Grandes Portugueses" se verificou que António de Oliveira Salazar era um dos nomes mais votados. A polémica estalou, com argumentos a favor e contra a sua inclusão entre os nomeados. Pela parte que me toca, acho legítima a sua inclusão. Num estado democrático, onde todos são livres de emitir a sua opinião, que grande contrasenso seria vetar alguém a quem criticamos por impedir a liberdade de expressão! Se é um sapo que me custou a engolir (e que grande sapo foi!) isso já é outra questão.
Chegados à final já tudo apontava, pelas sondagens entretanto efectuadas, que Salazar se apresentava com grandes probabilidades de vencer o concurso, o que se veio a verificar, por números muito expressivos. Mas vejamos então a classificação final:
1º - António de Oliveira Salazar - 41,0% 2º - Álvaro Cunhal - 19,1% 3º - Aristides de Sousa Mendes - 13,0% 4º - D. Afonso Henriques - 12,4% 5º - Luís de Camões - 4,0% 6º - D. João II - 3,0% 7º - Infante D. Henrique - 2,7% 8º - Fernando Pessoa - 2,4% 9º - Marquês de Pombal - 1,7% 10º - Vasco da Gama - 0,7%
E nos outros países, onde concursos similares tiveram lugar, como mais acima referimos (com excepção do Equador e Malásia, acerca dos quais não consegui obter informações) quem ganhou? Vejamos:Reino Unido - Winston Churchill ,França - Charles de Gaulle ,Alemanha - Konrad Adenauer, Bélgica - Jacques Brel, Holanda - Pim Fortuyn, República Checa - Karel IV, Roménia - Stefan Cel Mare, Bulgária - Vasil Levsky, Finlândia - Carl Mannerheim, Estados Unidos - Ronald Reagan, Canadá -Tommy Douglas, África do Sul - Nelson Mandela, Nova Zelândia - Ernest Rutherford. Num total de13 países, temos como vencedores oito líderes políticos democráticos, dois monarcas, um revolucionário, um cantor e um cientista. E em Portugal?
Em Portugal ganhou o homem que foi o fundador e principal mentor do Estado Novo, um regime político autoritário e corporativista, um regime onde estavam proibidos os partidos políticos e os sindicatos, onde existia a Censura, onde foi criada uma polícia política para perseguir aqueles que discordavam do regime, o único estado que após a II Guerra Mundial se recusou a acatar as recomendações da ONU e não reconheceu o direito à autodeterminação dos povos das regiões por si colonizadas, numa política de isolacionismo internacional sob o lema "Orgulhosamente sós". Ganhou o homem que, perante a sangrenta revolta no norte de Angola, em Março de 1961, respondeu com o célebre "Para Angola rapidamente e em força", conduzindo o país para uma Guerra Colonial que causou milhares de vítimas, que o arruinou economicamente e que abalou as suas estruturas sociais e políticas, o homem que poucos meses depois, a 14 de Dezembro de 1961, a três dias da invasão do Estado Português da Índia (Goa, Damão e Diu) pelas forças da União Indiana, pediu o sacrifício da vida aos três mil militares portugueses aí colocados, com outra fase famosa: "Só soldados vitoriosos ou mortos". Ganhou o homem austero e de falas mansas, por oposição à exuberância de Hitler, Franco ou Mussolini, mais bombásticos, mas que permitiu o culto do chefe, sendo muitas vezes apelidado pela imprensa da situação de "ungido de deus", "salvador da pátria" ou "redentor da nação".
O que passa com este país para que um ditador tenha vencido este concurso? Só votaram os saudosistas que ainda vão em romagem à campa rasa de Santa Comba, em "excursionismo revivalista", e que agora aí querem erigir um museu, a pretexto do desenvolvimento turístico da região e do facto de ser um filho da terra? Só votaram os fedelhos neo-fascistas que volta e meia conspurcam o hino nacional ao cantá-lo de braço direito erguido e mão estendida? É esta eleição o resultado de anos de desencanto da população portuguesa com um regime democrático que não está ainda, aparentemente, consolidado, e que teria como outros sintomas o gradual aumento da abstenção em sucessivas eleições ou o cada vez maior descrédito a que vai sendo votada a maioria da classe política nacional? Só votaram os imbecis?Será, como li no "Diário de Notícias", que "...a história épica ensinada pela ditadura continua a ser o molde através do qual muitos portugueses olham para o passado. A democracia não fez melhor do que reinventar os Descobrimentos como base do espírito nacional...". Será que saltamos, em delirante hiato, do mito sebastianista para o mito salazarista? Ou, como outros referem, ter-se-á tratado de uma votação manipulada, que não reflecte o verdadeiro pensar da população portuguesa?
Gostaria de ter uma resposta para esta questão. Não a tenho. Mas não acredito na "teoria da conspiração", na ideia de que os resultados foram manipulados. Também não tenho por imbecil a maioria do povo português. Creio apenas que, e mais uma vez como tantas outras, aqueles que ainda não se sentem confortáveis na pele de democratas se mobilizaram e votaram, enquanto que os outros, os que intitulam democráticos mas me lembram os católicos "não praticantes", por inércia e desinteresse, se limitaram a deixar correr o marfim.
A esses, aos que não sabem dar valor à liberdade e democracia que de mão beijada, alguns poucos, tiveram a coragem de lhes proporcionar, pergunto: já se esqueceram dos filhos, irmãos ou amigos que derramaram o seu sangue e ainda hoje sofrem de sequelas resultantes da Guerra Colonial? Já se esqueceram da falta de respeito pelos direitos civis, da liberdade de imprensa e da prepotência das forças policiais, com particular destaque para a nefasta PVDE/PIDE/DGS? Já se esqueceram de uma vida cinzenta e pobre, mitigada apenas por doses orquestradas pelo Secretariado da Propaganda Nacional de "Fátima, Fado e Futebol" ou pelos "Serões Para Trabalhadores" da FNAT, num provincianista e redutor "lá vamos cantando e rindo"? Já se esqueceram do Forte de S. João Baptista, do Forte de Caxias, do Forte de Peniche, do Aljube, do Tarrafal?
Uma vez mais, por preguiça mental e comodismo, a memória de um ditador foi exaltada e memória daqueles que sofreram na carne e no espírito, que foram perseguidos, detidos e mortos na luta contra esse mesmo ditador, foi insultada. Para que conste, e porque me orgulho dos seus feitos, votei na primeira fase do concurso em Salgueiro Maia, e, na fase final, e uma vez que Salgueiro Maia ficou classificado em 11º lugar , logo fora dos 10 finalistas, votei em Aristides de Sousa Mendes. Porque eu não esqueço!
9 comentários:
Porque gostei do que li, o que já não é novidade vindo de ti, um grande abraço.
EXCELENTE x 25!!! -grande abraço, IO.
JÁ FEZ UM MÊS! UM MÊS INTEIRINHO...
Assim não vale, asim não brinco!
Amuei...th
Eu não quero ter impressão que defendo Salazar só para dizer quem em França Charles de Gaulle também iniciou uma guerra colonial e o próprio povo Francês \a maioria\ apoiava esse presidente e a guerra colonial na Argélia e Indochina . E mesmo assim venceu o programa \Os grandes Franceses/.
Quer em Inglaterra ou Franca. Esses dois Senhores Charles de Gaulle Winston churchill venceram os respectivos programas passando os próprios réis e poetas dos seus países. E estes dois exemplos não são vergonha? E nao chamam fachista
a Charles de Gaulle?
Caro Flávio,
De Gaulle permitiu que França se envolvesse em guerras coloniais na Indochina e na Argélia: Mas também liderou a Resistência Francesa, para além de que foi colocado no poder em eleições LIVRES e DEMOCRÁTICAS. E em sucessivas eleições! Não retirou aos seus cidadãos o direito à livre expressão nem o direito a manifestaram na praça pública o seu descontentamento, embora por vezes as manifestações terminassem com a Polícia à bastonada. Quando o povo o preteriu meteu a viola no saco e retirou-se.
Diga o mesmo de Salazar, se puder.
Quanto a Churchil, não entendi o porquê de o achar uma vergonha.
Sim, Sim é verdade que de Gaulle ajudou a resistência Francesa contra os alemães mas se vires a lista de França e U.K esses países nem os seus 1ºs réis aparecem em 4º lugar.....
Mas também em parte temos que ironicamente agradecer a Salazar por não envolver Portugal na 2ª guerra mundial (directamente).
A Ucranea por exemplo perderam 5 milhões de pessoas ás mãos de Hitler e Estaline. Fará se tivessem invadido Portugal.
Olá de novo, caro Flávio,
De Gaulle LIDEROU a resistência francesa na 2ª Guerra Mundial. Quanto à questão dos reis, não entendo a sua, chamemos-lhe fixação, pelos reis. Foi algo a que nem sequer dei especial relevo na postagem original, ou não fosse eu convictamente republicano.
Voltando à vaca fria, de facto Salazar menteve Portugal fora do conflito mundial. E daí? Por esse facto, concerteza louvável, deveremos branquear tudo o resto? Deveremos esquecer a censura, a pide, as torturas, os presos políticos, a pobreza generalizada, o analfabetismo?
Quanto a Chruchil, continuo sem entender porque o meteu neste saco...
Um abraço.
É que nos sites nacionais e internacionais que li a noticia do |grande português| e os comentários que se vê por blogs, dá a entender como foi possível o 1ºRei de um pais aparecer em 4ºlugar; pelo menos foi essa a sensação que tive em diversos sites portugueses.
Mas também se tivesse-mos uma ditadura Comunista era exactamente a mesma coisa.
Também o nosso 25 de Abril em algumas partes só destruíram a pouca industria que tínhamos e todos sabem bem como isso aconteceu.
O que acho que está mal é que durante mais de 30 anos tentarem enterrar o fantasma do Salazar e não estudarmos melhor outros aspectos e não estarmos sempre a dizer a mesma coisa sobre a PIDE a censura e a Guerra colonial.
Vamos a Espanha e vemos documentários sobre a vida de Franco muitas vezes.
O mesmo acontece em Itália e Alemanha com Mussolini e Hitler e isto tudo em hora nobre.
Acho que não devemos ter vergonha de estudar e investigar o nosso passado porque ao esquecermos o passado um dia no futuro podemos voltar ao passado.
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