A manutenção das tradições e a inovação e velocidade próprias do mundo dos negócios, apesar de tudo e ainda hoje, nem sempre andam de mãos dadas, apesar da intervenção avisada de gente de bom-senso. Durante investigação a que venho procedendo nas últimas semanas no Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Nisa, a propósito de outra temática, não resisti a recolher a informação que transcrevo de seguida, exemplo feliz da sensibilidade e bom-senso de um Presidente de Câmara, que querendo manter a tradição, não deixou de ouvir os seus municípes e demonstrou pragmatismo e bom-senso suficientes para obter um entendimento satisfatório com estes.
Falta acrescentar que corria o ano de 1952, sendo Presidente da Câmara José Augusto Fraústo Basso. Nas Reuniões de Câmara de onde se extrairam os excertos citados participaram ainda o Vice-Presidente, José Rasquilho de Barros, e os Vogais Domingos Carmona Ribeiro, Luiz da Graça Vieira, Manuel Bernardes Pestana Goulão e José Joaquim Godinho de Moura. Secretariou as mesmas António Rosa Montalvo, Chefe de Secretaria.
(…) Bilhas
tipicas de Nisa: Constando à Camara que os fabricantes das
bilhas de Nisa, estão prejudicando a tradição às mesmas devida, pois em vez de
nelas continuarem a manter a designação de “Recordação” ou “Lembrança de Nisa”,
estão usando nomes de outras terras sem lhes alterarem o formato ou os desenhos
feitos com pedacitos de pedra, o que dá ocasião a confusões e, o que é pior,
desprestígio para uma indústria secular tipicamente local, foi por isso
deliberado mandar comparecer na próxima reunião todos os fabricantes de bilhas,
a fim de lhes ser demonstrado os inconvenientes que resultam de continuarem as
práticas que iniciaram e que a continuar, apenas prolongará o descrédito de uma
industria que todos temos o dever de manter tipicamente local, como incontestavelmente
é. (…)
Livro de Actas da Câmara Municipal
de Nisa, Acta da Sessão Ordinária de 14 de Maio de 1952, pp. 80 e 80v, Arquivo
Histórico da Câmara Municipal de Nisa.
(…) Bilhas tipicas de Nisa: Conforme fora deliberado na reunião anterior,
compareceram nesta reunião os fabricantes das bilhas típicas de Nisa, a quem o
Senhor Presidente expoz o motivo por que os convocara a comparecer,
aconselhando-os depois a que não contribuam para o descrédito e desprestígio de
uma industria secular em Nisa - o fabrico das Bilhas pedradas - única existente
no Paiz, pois ultimamente se têm verificado inovações nos desenhos que alteram
por completo as tradicionais ramagens que estamos habituados a ver, e que, até
certo ponto, não podem conduzir à dúvida de se tal fabrico será oriundo de Nisa.
Depois de prosseguir na demonstração dos inconvenientes que de tal prática poderão
advir, frizou-lhes a necessidade de defender uma indústria que já cá
encontramos e de que temos obrigação de manter sem alterações, que afinal
viriam desvirtuar por completo uma tão antiga tradição. O Senhor Presidente
demonstrou-lhes ainda que é necessário, para evitar possíveis confusões quanto
à origem das bilhas, que estas levem em local bem visível, e em pedrado também,
e não com simples gravação no barro, a usual designação “Fabrico de Nisa”,
lembrando-lhes o Senhor Presidente que Nisa se escreve com S e não com Z.
Finalmente o Senhor Presidente agradeceu a todos a sua comparencia, dizendo-lhes
que sempre que desejassem qualquer esclarecimento se dirigissem à Camara pois
esta casa era de todos. Seguidamente todos se retiraram agradecendo à Camara
todas as indicações que o Senhor Presidente lhes havia dado, e com as quais
concordaram absolutamente. (…)
Livro de Actas da Câmara Municipal
de Nisa, Acta da Sessão Ordinária de 28 de Maio de 1952, pp. 87 e 87v, Arquivo
Histórico da Câmara Municipal de Nisa.
(…) Bilhas típicas de Nisa:
Nesta reunião compareceram dois oleiros dos que estiveram presentes na
reunião de vinte e oito de Maio findo, a informarem a Camara que lhes fora feita
uma encomenda de duas mil bilhas, com a condição de levarem a indicação “Recordação
do Fratel”, mas que, em virtude do que fora combinado naquela reunião, não
podiam aceitar a encomenda, sem, previamente, ouvirem a opinião da Camara. Reconsiderando e
avaliando os prejuízos que poderão advir para aquela indústria, a Camara
deliberou que se mantenha a obrigatoriedade de todas levarem a designação de “Fabrico
de Nisa”, podendo além disso levar a designação de “Recordação do Fratel” ou
qualquer outra, devendo aquela, pelo menos, ser feita em pedrado. (...)
Livro de Actas da Câmara Municipal
de Nisa, Acta da Sessão Ordinária de 9 de Julho de 1952, pp. 105 e 105v,
Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Nisa.
.
.
Adenda - comentário enviado pelo meu caro amigo Joaquim Marques:
"Certamente a encomenda a que se referem as atas, seria do Sr. João Aparício (Sovela) que as comercializava na estação do Fratel durante as paragens dos comboios, cheias com a fresca água da mina. Pela gare era conhecido o pregão da Elvira: ÁGUA E BILHA!"
1 comentário:
De registar a posição sensata do presidente da câmara.
Certamente a encomenda a que se referem as atas, seria do Sr,João Aparício (Sovela)que as comercializava na estação do Fratel durante as paragens dos comboios, cheia com a fresca água da mina.
Pela gare era conhecido o pregão da Elvira: ÁGUA E BILHA!
Enviar um comentário