terça-feira, 24 de junho de 2014

Bilhas tipicas de Nisa: tradição e pragmatismo


A manutenção das tradições e a inovação e velocidade próprias do mundo dos negócios, apesar de tudo e ainda hoje, nem sempre andam de mãos dadas, apesar da intervenção avisada de gente de bom-senso.  Durante investigação a que venho procedendo nas últimas semanas no Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Nisa, a propósito de outra temática, não resisti a recolher a informação que transcrevo de seguida, exemplo feliz da sensibilidade e bom-senso de um Presidente de Câmara, que querendo manter a tradição, não deixou de ouvir os seus municípes e demonstrou pragmatismo e bom-senso suficientes para obter um entendimento satisfatório com estes.
 
Falta acrescentar que corria o ano de 1952, sendo Presidente da Câmara José Augusto Fraústo Basso. Nas Reuniões de Câmara de onde se extrairam os excertos citados participaram ainda  o Vice-Presidente, José Rasquilho de Barros, e os Vogais Domingos Carmona Ribeiro, Luiz da Graça Vieira, Manuel Bernardes Pestana Goulão e José Joaquim Godinho de Moura. Secretariou as mesmas António Rosa Montalvo, Chefe de Secretaria.
 
 (…) Bilhas tipicas de Nisa: Constando à Camara que os fabricantes das bilhas de Nisa, estão prejudicando a tradição às mesmas devida, pois em vez de nelas continuarem a manter a designação de “Recordação” ou “Lembrança de Nisa”, estão usando nomes de outras terras sem lhes alterarem o formato ou os desenhos feitos com pedacitos de pedra, o que dá ocasião a confusões e, o que é pior, desprestígio para uma indústria secular tipicamente local, foi por isso deliberado mandar comparecer na próxima reunião todos os fabricantes de bilhas, a fim de lhes ser demonstrado os inconvenientes que resultam de continuarem as práticas que iniciaram e que a continuar, apenas prolongará o descrédito de uma industria que todos temos o dever de manter tipicamente local, como incontestavelmente é. (…)
Livro de Actas da Câmara Municipal de Nisa, Acta da Sessão Ordinária de 14 de Maio de 1952, pp. 80 e 80v, Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Nisa.
 
 
(…) Bilhas tipicas de Nisa: Conforme fora deliberado na reunião anterior, compareceram nesta reunião os fabricantes das bilhas típicas de Nisa, a quem o Senhor Presidente expoz o motivo por que os convocara a comparecer, aconselhando-os depois a que não contribuam para o descrédito e desprestígio de uma industria secular em Nisa - o fabrico das Bilhas pedradas - única existente no Paiz, pois ultimamente se têm verificado inovações nos desenhos que alteram por completo as tradicionais ramagens que estamos habituados a ver, e que, até certo ponto, não podem conduzir à dúvida de se tal fabrico será oriundo de Nisa. Depois de prosseguir na demonstração dos inconvenientes que de tal prática poderão advir, frizou-lhes a necessidade de defender uma indústria que já cá encontramos e de que temos obrigação de manter sem alterações, que afinal viriam desvirtuar por completo uma tão antiga tradição. O Senhor Presidente demonstrou-lhes ainda que é necessário, para evitar possíveis confusões quanto à origem das bilhas, que estas levem em local bem visível, e em pedrado também, e não com simples gravação no barro, a usual designação “Fabrico de Nisa”, lembrando-lhes o Senhor Presidente que Nisa se escreve com S e não com Z. Finalmente o Senhor Presidente agradeceu a todos a sua comparencia, dizendo-lhes que sempre que desejassem qualquer esclarecimento se dirigissem à Camara pois esta casa era de todos. Seguidamente todos se retiraram agradecendo à Camara todas as indicações que o Senhor Presidente lhes havia dado, e com as quais concordaram absolutamente. (…)
Livro de Actas da Câmara Municipal de Nisa, Acta da Sessão Ordinária de 28 de Maio de 1952, pp. 87 e 87v, Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Nisa.
 



(…) Bilhas típicas de Nisa:  Nesta reunião compareceram dois oleiros dos que estiveram presentes na reunião de vinte e oito de Maio findo, a informarem a Camara que lhes fora feita uma encomenda de duas mil bilhas, com a condição de levarem a indicação “Recordação do Fratel”, mas que, em virtude do que fora combinado naquela reunião, não podiam aceitar a encomenda, sem, previamente,  ouvirem a opinião da Camara. Reconsiderando e avaliando os prejuízos que poderão advir para aquela indústria, a Camara deliberou que se mantenha a obrigatoriedade de todas levarem a designação de “Fabrico de Nisa”, podendo além disso levar a designação de “Recordação do Fratel” ou qualquer outra, devendo aquela, pelo menos, ser feita em pedrado. (...)
Livro de Actas da Câmara Municipal de Nisa, Acta da Sessão Ordinária de 9 de Julho de 1952, pp. 105 e 105v, Arquivo Histórico da Câmara Municipal de Nisa.
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Adenda - comentário enviado pelo meu caro amigo Joaquim Marques:
"Certamente a encomenda a que se referem as atas, seria do Sr. João Aparício (Sovela) que as comercializava na estação do Fratel durante as paragens dos comboios, cheias com a fresca água da mina. Pela gare era conhecido o pregão da Elvira: ÁGUA E BILHA!"

 

1 comentário:

joaquim rodrigues disse...

De registar a posição sensata do presidente da câmara.
Certamente a encomenda a que se referem as atas, seria do Sr,João Aparício (Sovela)que as comercializava na estação do Fratel durante as paragens dos comboios, cheia com a fresca água da mina.
Pela gare era conhecido o pregão da Elvira: ÁGUA E BILHA!