quarta-feira, 24 de abril de 2013

Boletim Municipal: que propósitos serve?


Boletim abril

 
 

Por força do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) assumido por Portugal com a Comissão Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu (vulgo Troika), reafirmado no Programa do XIX Governo Constitucional e expresso na Lei do Orçamento do Estado e no diploma de execução orçamental, são impostas medidas que visam reforçar o controlo das despesas públicas e dos compromissos assumidos nos diferentes sectores da administração pública, com o objectivo de garantir a consolidação orçamental e a sustentabilidade das contas públicas.
As autarquias, desde logo duramente afectadas com a diminuição das transferências do Orçamento do Estado (via Fundo de Equilíbrio Financeiro), em cerca de 175 milhões de euros em 2012, a que acresce a diminuição nas receitas próprias, foram ainda forçadas a reduzir a despesa em 5,1%, através da proibição do recrutamento de novos trabalhadores e de diminuição do número dos já existentes, redução de cargos dirigentes, redução dos valores de ajudas de custo e subsídio de transporte e da redução do acréscimo pago por trabalho suplementar (vulgo horas extraordinárias).
Por força de todas estas inibições, os orçamentos municipais devem hoje ser instrumentos que permitam às autarquias garantir à população serviços básicos, de forte impacto social, como são as refeições e transportes escolares, recolha de lixo e abastecimento de água e apoio a instituições que actuem junto de focos de pobreza que possam emergir. Os cortes, necessários e inevitáveis, devem ser efectuados naquilo que são as “gorduras” da administração local, como o consumo de electricidade, água, telecomunicações e transportes, sem pôr em causa o bem-estar da população.
Algumas autarquias, na prossecução deste desiderato, para além de reprogramarem e recalendalizarem obras não comparticipadas por Fundos Comunitários e, mesmo nestas, escalonarem rigorosamente a sua execução, implementaram medidas transversais a todas as divisões, núcleos e áreas de gestão, numa lógica de repartição de esforços, através de medidas como a eliminação dos impressos municipais (requerimentos, etc.), passando este tipo de documentação a ser apenas digital, conseguindo-se poupanças consideráveis na despesa corrente.
Vem este arrazoado em “economês” a propósito da recente distribuição no concelho de Nisa do “Boletim Municipal”, com 20 páginas impressas em papel “couché”, a 4 cores, com uma tiragem de 500 exemplares. Desconhecendo o custo desta publicação, que, pela qualidade, não terá sido baixo, creio que despesas com comunicação e publicidade, exceptuando as publicações obrigatórias, deveriam ser evitadas. Por outro lado, esta situação é tanto mais estranha quanto, desde há algum tempo, o stock de publicações de divulgação turística do concelho é cada vez mais reduzido, tendo-se já esgotado alguns, sendo que boa parte está completamente ultrapassada e a necessitar de revisão urgente de conteúdos, justificando nova edição.
Mais estranho ainda é o facto de uma publicação, supostamente ao serviço da divulgação das actividades, eventos e desenvolvimento do concelho, servir também para malhar no Governo, aproveitando, que estamos em ano de eleições autárquicas, para fazer campanha política, particularmente nas últimas linhas do Editorial da Agenda:
Este boletim assim o confirma como se consegue continuar a trabalhar por este concelho apesar das dificuldades que atravessamos. Não pensem que somos todos iguais, porque é mentira. A defesa da função social do Poder Local é o que nós fazemos e que alguns não querem. A ignorância dos tecnocratas que nos têm governado nos últimos anos conduziu o País à situação em que vivemos, não podemos permitir que os seus “alunos” tomem conta do nosso concelho.”
Sendo inegável a importância das publicações autárquicas na relação com os munícipes, não é admissível a sua utilização para fins de promoção de dirigentes partidários ou como instrumentos de propaganda da força política dominante. O material informativo ora divulgado denuncia claramente esta tendência de instrumentalização e utilização dos suportes de informação pública como meio de propaganda da CDU. Para além do Editorial já citado, é notável a falta de rigor das notícias de vários eventos, que focalizam exclusivamente a atenção na Presidente e no Vice-Presidente da Câmara, omitindo a presença de outros membros eleitos.
A Alta Autoridade para a Comunicação Social, há mais de dez anos, firmou doutrina no sentido de que os boletins autárquicos, contendo informação geral sobre a vida da autarquia, devem ser considerados como órgãos de comunicação social de informação especializada e âmbito local, e estão subordinados às regras da Lei de Imprensa. A imprensa autárquica, dada a sua própria natureza pública, está obrigada à pluralidade que a lei comina para todo o sector público informativo. Ao não o cumprir, falta de forma grosseira ao seu estatuto, à sua natureza e aos seus objectivos. Um órgão autárquico pode ser dirigido apenas por uma força política mas o tecido social que ela serve é por natureza plural, diferenciado e contrastado. É o reflexo dessa diversidade e do pluralismo político e ideológico das situações concretamente vividas na autarquia, que os boletins devem reflectir.

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