sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Ainda a Reforma Administrativa



 
Durante os últimos 50 anos o nosso país mudou muito. Se mudou muito neste intervalo de tempo, imaginem o que não mudou desde o século XIX, data da última grande reforma administrativa. Apesar disso, a nossa organização não sofreu adaptações, não levando em linha de conta que o país se desertificou em certas áreas mas também cresceu muito noutras. Quem começou a ler este blogue em 2005 sabe que não embarquei nesta opinião o ano passado, quando a questão saltou para a discussão pública: há muito que venho defendendo uma reorganização do Estado que passa pela restruturação da divisão administrativa e pela alteração da Lei Eleitoral, nomeadamente com a criação dos círculos uninominais.

Graças à manutenção de uma estrutura territorial de base, encetada a partir de 1832 por Mouzinho da Silveira, agravada pela galopante criação de novos municípios e freguesias entre as décadas de 70 e 90, vivemos uma realidade que não tem paralelo a nível da Europa ocidental. A verdade é que temos hoje distritos que são uma aberração, concelhos a mais, freguesias a mais e um país assimétrico sob todos os pontos de vista.

O poder local foi, em devido tempo, e honra lhe seja feita por isso, motor do desenvolvimento territorial. Entretanto muito mudou, tendo-se alterado, de forma muitas vezes extrema, as envolventes social, económica, política e até mesmo ambiental, o que impõe que o poder local se adapte. Os interesses partidários têm anulado qualquer tentativa de mexer nesta “vaca sagrada”, em muitos casos responsabilidade de dinossauros e políticos profissionais sem a mínima competência para ocupar cargos públicos.

Dito isto, acrescento que esta reforma não é verdadeiramente abrangente, quer ao nível do território (envolvendo também, pelo menos, as autarquias), quer ao nível estrutural (competências, lei eleitoral, organização, etc), para ter da minha parte uma concordância absoluta, pois fica circunscrita a muito pouco, ou quase nada, centrando-se apenas nas freguesias. E mesmo aqui de uma forma muito vaga e redutora: o simples cumprimento de um critério numérico do número de freguesias por município que permita a redução de cerca de 25% das 4.259 existentes no total.

A verdade é que também alguns dos principais argumentos de contestação a esta “mísera” reforma são igualmente redutores e fáceis de “desmontar”: maior escala e dimensão não são necessariamente negativas, antes pelo contrário permitirão uma maior e melhor resposta às exigências dos cidadãos e à qualidade de vida a proporcionar, com melhores serviços e maiores recursos. A questão é que o Governo não definiu ainda nenhum critério de aumento de competências para as juntas, de recursos financeiros, de alargamento de atribuições. A título de exemplo, não foi capaz de definir qual o valor da transferência orçamental no caso de agregação/fusão de duas freguesias: o valor será o somatório dos valores actuais de cada uma das freguesias? Será maior? Será menor?

As vozes contra a reforma argumentam ainda que o peso das freguesias no orçamento do Estado é insignificante. Do ponto de vista da transferência directa das verbas correspondentes a cada freguesia tal é verdade. A redução (cerca de 6,5 milhões de euros) é insignificante, mas não despiciente, para a recuperação da despesa pública. Só que os gastos com as freguesias (e municípios) não se reduzem ou confinam a essa transferência orçamental. Há a duplicação de investimentos/equipamentos e infraestruturas, “erguidos” com dinheiros públicos e financiamentos do Estado (ou através deste), que empolam o real “custo” de uma freguesia.

Concordando com o princípio subjacente à actual reforma, tenho que dizer que esta não promove a autonomia deliberativa (de decisão) dos municípios, não tem em conta as suas especificidades (por exemplo, interioridade, litoral, desenvolvimento económico), nem existe qualquer quantificação, especificação ou fundamentação ou definição de critérios em relação aos objectivos definidos na própria Lei 22/2012: promoção da coesão territorial e do desenvolvimento local; alargamento das atribuições, competências e recursos; capacidade de intervenção da junta de freguesia; melhoria dos serviços públicos prestados às populações; ganhos de escala, de eficiência e de massa crítica. A verdade é que nenhum destes objectivos ou princípios foram, pelo Governo e no referido diploma legal, que prova o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica, especificados, quantificados e esclarecidos.

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