Durante os últimos 50 anos o
nosso país mudou muito. Se mudou muito neste intervalo de tempo, imaginem o que
não mudou desde o século XIX, data da última grande reforma administrativa. Apesar
disso, a nossa organização não sofreu adaptações, não levando em linha de conta
que o país se desertificou em certas áreas mas também cresceu muito noutras. Quem
começou a ler este blogue em 2005 sabe que não embarquei nesta opinião o ano
passado, quando a questão saltou para a discussão pública: há muito que venho
defendendo uma reorganização do Estado que passa pela restruturação da divisão
administrativa e pela alteração da Lei Eleitoral, nomeadamente com a criação
dos círculos uninominais.
Graças à manutenção de uma
estrutura territorial de base, encetada a partir de 1832 por Mouzinho da
Silveira, agravada pela galopante criação de novos municípios e freguesias
entre as décadas de 70 e 90, vivemos uma realidade que não tem paralelo a nível
da Europa ocidental. A verdade é que temos hoje distritos que são uma
aberração, concelhos a mais, freguesias a mais e um país assimétrico sob todos
os pontos de vista.
O poder local foi, em devido tempo, e
honra lhe seja feita por isso, motor do desenvolvimento territorial. Entretanto
muito mudou, tendo-se alterado, de forma muitas vezes extrema, as envolventes
social, económica, política e até mesmo ambiental, o que impõe que o poder
local se adapte. Os interesses partidários têm anulado qualquer tentativa de
mexer nesta “vaca sagrada”, em muitos casos responsabilidade de dinossauros e
políticos profissionais sem a mínima competência para ocupar cargos públicos.
Dito isto, acrescento que esta
reforma não é verdadeiramente abrangente, quer ao nível do território
(envolvendo também, pelo menos, as autarquias), quer ao nível estrutural
(competências, lei eleitoral, organização, etc), para ter da minha parte uma concordância
absoluta, pois fica circunscrita a muito pouco, ou quase nada, centrando-se
apenas nas freguesias. E mesmo aqui de uma forma
muito vaga e redutora: o simples cumprimento de um critério numérico do número
de freguesias por município que permita a redução de cerca de 25% das 4.259
existentes no total.
A verdade é que também
alguns dos principais argumentos de contestação a esta “mísera” reforma são
igualmente redutores e fáceis de “desmontar”: maior escala e dimensão não são
necessariamente negativas, antes pelo contrário permitirão uma maior e melhor
resposta às exigências dos cidadãos e à qualidade de vida a proporcionar, com
melhores serviços e maiores recursos. A questão é que o Governo não definiu ainda
nenhum critério de aumento de competências para as juntas, de recursos
financeiros, de alargamento de atribuições. A título de exemplo, não foi capaz
de definir qual o valor da transferência orçamental no caso de agregação/fusão
de duas freguesias: o valor será o somatório dos valores actuais de cada uma
das freguesias? Será maior? Será menor?
As vozes contra a reforma
argumentam ainda que o peso das freguesias no orçamento do Estado é
insignificante. Do ponto de vista da transferência directa das verbas
correspondentes a cada freguesia tal é verdade. A redução (cerca de 6,5 milhões
de euros) é insignificante, mas não despiciente, para a recuperação da despesa
pública. Só que os gastos com as freguesias (e municípios) não se reduzem ou
confinam a essa transferência orçamental. Há a duplicação de
investimentos/equipamentos e infraestruturas, “erguidos” com dinheiros públicos
e financiamentos do Estado (ou através deste), que empolam o real “custo” de
uma freguesia.
Concordando com o princípio
subjacente à actual reforma, tenho que dizer que esta não promove a autonomia
deliberativa (de decisão) dos municípios, não tem em conta as suas
especificidades (por exemplo, interioridade, litoral, desenvolvimento
económico), nem existe qualquer quantificação, especificação ou fundamentação
ou definição de critérios em relação aos objectivos definidos na própria Lei
22/2012: promoção da coesão territorial e do desenvolvimento local; alargamento
das atribuições, competências e recursos; capacidade de intervenção da junta de
freguesia; melhoria dos serviços públicos prestados às populações; ganhos de
escala, de eficiência e de massa crítica. A verdade é que nenhum destes
objectivos ou princípios foram, pelo Governo e no referido diploma legal, que
prova o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica,
especificados, quantificados e esclarecidos.
Sem comentários:
Enviar um comentário