sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Dia da vergonha!




Para quem não sabe, a palavra República deriva da expressão latina “res publica”, “coisa pública”, chamando a nossa atenção para a coisa comum, aquilo que é do povo. Apesar da evolução do significado do termo ao longo dos séculos, continuo a apreciar a definição clássica, citada na obra “De Res Publica”, do político, orador e filósofo romano Cícero, escrita entre os anos 54 e 51 a.C:

“É pois a República coisa do povo, considerando tal, não todos os homens de qualquer modo congregados, mas a reunião que tem o seu fundamento no consentimento jurídico e na utilidade comum (...) aquilo que tem o seu funcionamento na igualdade dos direitos e na comunhão de interesses (...) a ‘coisa pública’ é verdadeiramente coisa do povo, sempre que administrada com justiça e sabedoria”.

Celebram-se hoje 102 anos da implantação da República em Portugal. Republicano por firme convicção, não por inércia, custa-me que este dia deixe, já a partir de 2013, de ser oficialmente celebrado. Não sendo contra a redução do número de feriados, apesar de toda a demagogia que envolve a medida, entendo que, sendo Portugal um Estado laico, tal deveria incidir sobretudo sobre os feriados religiosos.

No dia 5 de Outubro de 2012, no dia de hoje, celebramos pela última vez, de modo oficial e nacional, um dos grandes momentos da nossa já longa história enquanto nação. Sendo assim, esperava eu que a celebração tivesse particular destaque e brilho, que as instituições políticas responsáveis pela sua organização, nomeadamente a Câmara Municipal de Lisboa e a Presidência da República, se esmerassem na sua organização, abrindo-a á população, convidando esta a uma participação massiva e activa.

Ao invés, tivemos uma cerimónia de que o povo foi arredado, transferida da Praça do Município, onde tradicionalmente quase sempre decorreu, uma cerimónia a que apenas se podia aceder por convite, realizada num espaço fechado, o Pátio da Galé, coisa mal-amanhada, quase em segredo, quase com vergonha. O Povo, esse Povo de que a classe política tanto fala, o Povo, de quem dimana o poder colocado nas mãos de alguns, foi escorraçado da cerimónia como se de cão sarnento se tratasse, porque a classe política tem medo! Medo da contestação popular, medo do descontentamento que assola o país, medo de ser acusada e responsabilizada pela crise. Medo!

Têm medo, quando deveriam ter vergonha! Não me refiro agora à vergonha pela sua responsabilidade na crise que vivemos, mas à vergonha que devem sentir por roubar ao Povo a sua festa, por se esconderem, por esconderem a celebração da República. Vergonha pela pública demonstração de cobardia, física e intelectual, sobretudo esta última.

De outro momento vergonhoso se fará a história deste dia: a Bandeira Nacional, a bandeira da República Portuguesa, que a Constituição, no seu artigo 11º, nºs. 1 e 2, determina ser “símbolo da soberania da República, da independência, da unidade e integridade de Portugal”, foi hasteada ao contrário! Pelo próprio Presidente da República!

Hastear uma bandeira invertida significa, em todo o mundo, situação de emergência ou perigo. Significa também, no meio castrense, que um local foi ocupado pelo inimigo. Pese embora Portugal estar a viver um período conturbado, de emergência nacional, repugna-me este acto vil. Não foi certamente inocente a acção de quem prendeu a bandeira ao mastro dos Paços do Concelho. Ao chegar às mãos do Presidente da República, ladeado pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e pelos representantes de todos os Órgãos de Soberania, constitucionalmente obrigados à imposição do respeito pelos símbolos da soberania nacional, a cerimónia deveria ter sido de imediato interrompida e a bandeira deveria ter sido reposicionada de modo correcto. Que, para evitar maiores embaraços, o Presidente da República tivesse continuado a hastear a bandeira, é algo que nunca supus ser possível! A vergonha cobre hoje o Presidente da República, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e todos os presidentes de Órgãos de Soberania presentes na cerimónia! A vergonha cobre hoje a República Portuguesa!
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Adenda: o Código Penal, no seu artigo 332º, que diz respeito ao ultrage de símbolos nacionais e regionais, reza o seguinte:
 

"1 - Quem publicamente, por palavras, gestos ou divulgação de escrito, ou por meio de comunicação com o público, ultrajar a República, a bandeira ou o hino nacionais, as armas ou emblemas da soberania portuguesa, ou faltar ao respeito que lhes é devido, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias."
Estando presente na cerimónia o Procurador-Geral da República, representante máximo do Ministério Público, a quem compete promover a defesa da legalidade democrática, irá este agir em conformidade e ordenar a instrução um Processo de Inquérito?
 

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