Para quem não sabe, a
palavra República deriva da expressão latina “res publica”, “coisa pública”,
chamando a nossa atenção para a coisa comum, aquilo que é do povo. Apesar da
evolução do significado do termo ao longo dos séculos, continuo a apreciar a definição
clássica, citada na obra “De Res Publica”,
do político, orador e filósofo romano Cícero, escrita entre os anos 54 e 51
a.C:
“É
pois a República coisa do povo, considerando tal, não todos os homens de
qualquer modo congregados, mas a reunião que tem o seu fundamento no
consentimento jurídico e na utilidade comum (...) aquilo que tem o seu
funcionamento na igualdade dos direitos e na comunhão de interesses (...) a
‘coisa pública’ é verdadeiramente coisa do povo, sempre que administrada com
justiça e sabedoria”.
Celebram-se hoje 102 anos da
implantação da República em Portugal. Republicano por firme convicção, não por
inércia, custa-me que este dia deixe, já a partir de 2013, de ser oficialmente
celebrado. Não sendo contra a redução do número de feriados, apesar de toda a
demagogia que envolve a medida, entendo que, sendo Portugal um Estado laico,
tal deveria incidir sobretudo sobre os feriados religiosos.
No dia 5 de Outubro de 2012,
no dia de hoje, celebramos pela última vez, de modo oficial e nacional, um dos
grandes momentos da nossa já longa história enquanto nação. Sendo assim,
esperava eu que a celebração tivesse particular destaque e brilho, que as
instituições políticas responsáveis pela sua organização, nomeadamente a Câmara
Municipal de Lisboa e a Presidência da República, se esmerassem na sua
organização, abrindo-a á população, convidando esta a uma participação massiva
e activa.
Ao invés, tivemos uma
cerimónia de que o povo foi arredado, transferida da Praça do Município, onde
tradicionalmente quase sempre decorreu, uma cerimónia a que apenas se podia
aceder por convite, realizada num espaço fechado, o Pátio da Galé, coisa mal-amanhada,
quase em segredo, quase com vergonha. O Povo, esse Povo de que a classe política
tanto fala, o Povo, de quem dimana o poder colocado nas mãos de alguns, foi
escorraçado da cerimónia como se de cão sarnento se tratasse, porque a classe
política tem medo! Medo da contestação popular, medo do descontentamento que
assola o país, medo de ser acusada e responsabilizada pela crise. Medo!
Têm medo, quando deveriam
ter vergonha! Não me refiro agora à vergonha pela sua
responsabilidade na crise que vivemos, mas à vergonha que devem sentir por roubar
ao Povo a sua festa, por se esconderem, por esconderem a celebração da
República. Vergonha pela pública demonstração de cobardia, física e
intelectual, sobretudo esta última.
De outro momento vergonhoso
se fará a história deste dia: a Bandeira Nacional, a bandeira da República
Portuguesa, que a Constituição, no seu artigo 11º, nºs. 1 e 2, determina ser “símbolo
da soberania da República, da independência, da unidade e integridade de
Portugal”, foi hasteada ao contrário! Pelo próprio Presidente da República!
Hastear uma bandeira invertida
significa, em todo o mundo, situação de emergência ou perigo. Significa também,
no meio castrense, que um local foi ocupado pelo inimigo. Pese embora Portugal
estar a viver um período conturbado, de emergência nacional, repugna-me este
acto vil. Não foi certamente inocente a acção de quem prendeu a bandeira ao
mastro dos Paços do Concelho. Ao chegar às mãos do Presidente da República,
ladeado pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e pelos representantes de
todos os Órgãos de Soberania, constitucionalmente obrigados à imposição do
respeito pelos símbolos da soberania nacional, a cerimónia deveria ter sido de
imediato interrompida e a bandeira deveria ter sido reposicionada de modo
correcto. Que, para evitar maiores embaraços, o Presidente da República tivesse
continuado a hastear a bandeira, é algo que nunca supus ser possível! A
vergonha cobre hoje o Presidente da República, o Presidente da Câmara Municipal
de Lisboa e todos os presidentes de Órgãos de Soberania presentes na cerimónia!
A vergonha cobre hoje a República Portuguesa!
.
Adenda: o Código Penal, no seu artigo 332º, que diz respeito ao ultrage de símbolos nacionais e regionais, reza o seguinte:
"1 - Quem publicamente, por palavras, gestos ou divulgação de escrito, ou por meio de comunicação com o público, ultrajar a República, a bandeira ou o hino nacionais, as armas ou emblemas da soberania portuguesa, ou faltar ao respeito que lhes é devido, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias."
Estando presente na cerimónia o Procurador-Geral da República, representante máximo do Ministério Público, a quem compete promover a defesa da legalidade democrática, irá este agir em conformidade e ordenar a instrução um Processo de Inquérito?
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