quarta-feira, 7 de abril de 2010

E de novo o ciclo recomeça


São cada vez em maior número os acidentes naturais que chegam ao nosso conhecimento. Por razões óbvias relembro aqui a recente tragédia Madeirense, mas também essa outra tragédia, esta semana ocorrida no Brasil, na região do Rio de Janeiro, onde residem alguns amigos, felizmente não afectados, que aproveito para saudar e com quem estou solidário.

Não alinho nas teorias catastrofistas, quase apocalípticas, ora muito em voga. Não me parece que a Terra se esteja a revoltar pelos maus tratos sofridos, nem que o fim do mundo esteja próximo. Tenho sobre este assunto, quiçá fruto do meu gosto pela geologia, uma visão mais abrangente, alicerçada num passado distante que se projecta num futuro igualmente distante, muito além da escala humana. Não existem mais acidentes naturais hoje do que no passado, antes pelo contrário: ensinam-nos a geologia e a paleontologia que o nosso planeta tem uma história violenta, feita de movimentos tectónicos envolvendo escalas de tempo e energia que não consigo sequer imaginar, de colisões de cometas e asteróides, de diversas deslocações do campo magnético, de glaciações e degelos, de extinções em massa. Este aparente avolumar do número de acidentes e naturais é, acima de tudo, resultado do modo fácil como a qualquer momento a informação cruza o nosso planeta, ou seja, não existem mais ocorrências, apenas uma maior número destas é divulgado e conhecido de todos, sendo certo que o número de humanos afectados é cada vez maior.

Presumindo que a história do nosso planeta, até ao presente, tinha a duração de 1 ano, a presença do Homem apenas ocorreria no último minuto do dia 31 de Dezembro. Estima-se que a Terra exista há 4.600 milhões de anos, os primeiros organismos vivos, muito semelhantes às actuais bactérias surgiram há 3.800 milhões de anos, os mamíferos há 205 milhões de anos e os primeiros hominídeos há cerca de 7 milhões de anos. O mais antigo antepassado directo do Homem, Ardipithecus ramidus, terá existido há cerca de 4,4 milhões de anos e o Homo sapiens sapiens apenas começou o seu percurso há 200.000 atrás.

Mal chegamos e já tomamos como certo o planeta em que vivemos, sem nos lembrarmos que, sob os nossos pés, a Terra continua a sua evolução, na maioria das vezes incrivelmente lenta, porém inexorável, outras, em súbitos espasmos que alteram a paisagem em questão de segundos. A população humana, com uma densidade cada vez maior e pressionada por uma crescente diminuição de recursos, ocupa hoje espaços que estiveram desertos durante milhões de anos, predominantemente zonas costeiras, vivendo em regiões de assinalável actividade sísmica e vulcânica, sujeita a terramotos e maremotos, construindo em solos aluviais, em leitos de cheia ou em encostas não consolidadas. Mesmo as tão propaladas alterações climáticas, que se supõe serem provocadas pela acção humana, sê-lo-ão de facto? Continuo sem respostas para esta questão, tantas e tão contraditórias são as teorias.

Obcecados por um homocentrismo irracional, não entendendo a nossa insignificância no grande esquema das coisas, e por mais que nos queiramos convencer do contrário, não passamos de mais uma espécie entre milhões de outras, um mero e curto episódio na história da Terra, de incerto destino. Querer, apenas porque existimos e para nosso único benefício, que as placas tectónicas parem de se mover, que mais nenhuma espécie se extinga, que a erosão se interrompa, que os vulcões adormeçam, é raciocínio que não entendo.

Escrevi e aqui postei, em Fevereiro de 2008, um texto julgo resume tudo aquilo que penso e aqui hoje partilhei:


As pedras têm as formas e as cores das coisas no princípio dos tempos. Montanhas ergueram-se dos abismos, o sol e os ventos e as águas e as coisas vivas açoitaram-nas, submeteram-nas e derrotaram-nas em planícies e escorraçaram-nas de volta aos abismos; a pressão esmagou-as e o velho fogo que se vai extinguindo voltou a erguê-las e as formas e as cores alteraram-se sem deixarem de ser as mesmas e mil vezes o ciclo se repetiu.

E o bípede destro, que de todas as outras coisas vivas se distingue por uma compulsiva ânsia de medir, classificar e etiquetar, chamou nomes às pedras. E as pedras passaram a ser comuns, e a chamar-se basalto e granito e xisto, e raras, e a chamar-se platina e prata e ouro.

As pedras comuns têm destinos servis e acabam esmilhadas e talhadas e chamam-se estradas e casas e lousas. As pedras raras têm destinos enobrecidos e vaidosos e chamam-se moeda e anel e pulseira.

E o sol e os ventos e as águas e as coisas vivas, que os nomes desconhecem e não distinguem a pedracasa da pedramoeda, de novo as submetem e escorraçam de volta ao abismo.

E de novo o ciclo se repete, apesar dos infrutíferos esforços do bípede destro.
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imagem daqui: http://espbrasil.files.wordpress.com/2008/04/granada.gif

1 comentário:

th disse...

É um prazer enorme ler-te, ainda bem que voltaste.
Muito interessante e alicerçada teoria.
Beijo, theo