quinta-feira, 3 de julho de 2008

Há pessoas e Pessoa

Primeiro, os pontos nos ii: cresci numa família Católica Apostólica Romana. Quando ingressei na Escola, no então chamado Ensino Primário, por cima do quadro negro, entre Salazar primeiro, depois Marcelo, e Américo Thomaz, estava um crucifixo, coisa estranha, num país que a Constituição, mesmo a de então e após a Concordata, dizia ser laico.
Recebi todos os sacramentos (excepto o da Ordem e o da Unção dos Enfermos , lagarto, lagarto, lagarto...): Baptismo, Confirmação, Eucaristia e Comunhão, Confissão e Matrimónio.
Ao longo do meu processo de crescimento, fui evoluindo (no sentido puramente científico da palavra, sem juízos de valor) de católico ignorante e passivo a católico esclarecido e praticante, para desembocar no que hoje, em termos de fé, sou: agnóstico.
Quando comecei a ser gente e a pensar pela minha própria cabeça, fui atraído e seduzido pela mensagem dos Evangelhos, para depois ser repelido pelas incongruências da Igreja, pela contradição entre a Palavra e a praxis.
Mesmo na época em que era crente, certas coisas ficavam-me atravessadas na garganta, nomeadamente a questão em torno das aparições de Fátima (e já agora tantas outras aparições por esse mundo fora...). Fui a Fátima em pregrinação, acompanhando os meus pais, apenas uma vez. E prometi a mim próprio nunca mais lá voltar.
E vamos agora ao porquê do título da postagem.
Esta manhã, logo que liguei a televisão, sintonizando a SIC Notícias, chamou-me a atenção uma notícia em particular: uma peça sobre um inédito de Fernando Pessoa, que agora chega a público, pela mão do historiador e investigador José Barreto, sobre a temática de Fátima.
Reproduzo-o aqui, com a devida vénia ao Escritor, que passou do pensamento às palavras, melhor do que eu o faria, aquilo que me vai na alma:
"Fátima é o nome de um lugar da província, não sei onde ao certo, perto de um outro lugar do qual tenho a mesma ignorância geográfica mas que se chama Cova de qualquer santa.
Nesse lugar - esse ou o outro - ou perto de qualquer d'elles, ou de ambos, viram um dia umas crianças aparecer Nossa Senhora (...). Assim diz a voz do povo da provincia e a 'A Voz' (jornal católico e monárquico) sem povo de Lisboa.
Deve portanto ser verdade, visto que é sabido que a voz das aldeias e 'A Voz' da cidade de ha muito substituíram aquelas velharias democraticas que se chamam, ou chamavam, a demonstração científica e o pensamento raciocinado".
"O facto é que ha em Portugal um lugar que pode concorrer e vantajosamente com Lourdes. Ha curas maravilhosas, a preços mais em conta.
O negócio da religião a retalho, no que diz respeito à Loja de Fátima, tem tomado grande incremento, com manifesto gaudio místico da parte dos hoteis, estalagens e outro comércio d'esses jeitos - o que, aliás, está plenamente de acordo com o Evangelho, embora os católicos não usem lê-lo - não vão eles lembrar-se de o seguir!"

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