quarta-feira, 30 de abril de 2008

O Pai Jorge, a Margarida e "Olho Neles!"



Comecemos pelo início, que é por onde se deveriam começar todas as coisas: o Pai Jorge, pois assim a ele me dirigia.

Jorge Oliveira de seu nome, foi das primeiras pessoas em Nisa com quem privei de mais perto. Uniam-nos enviesados graus de parentesco colateral que não vou aqui esmiuçar. Mas não foi isso que me aproximou dele, que isto de familiares (ainda que colaterais e enviesados) são gente que herdamos, enquanto que os amigos são escolha nossa, e dou-me muito melhor com muita gente que não tem gota do meu sangue do que com muito neto do meu avô!
Antes de o conhecer, li-o. Tinha o Pai Jorge uma coluna no "Jornal de Nisa", intitulada "Olho Neles" e foi por aí que primeiro tomei contacto com a sua maneira de estar e pensar. Agradou-me, era homem de chamar os bois pelos nomes, coisa que vai rareando.

Acabamos por chegar à fala e, diga-se, acabamos por falar até bastante, embora muito menos do que eu desejaria.
Separavam-nos ideologias e convicções, muitas vezes (quase sempre...) a discussão acabava com "cada um na sua", mas nem por isso essas conversas eram menos interessantes ou educativas.
Respeitava as minhas ideias, nunca me tentou convencer de nada. Expunha as suas convicções sem querer impô-las e isso é coisa que muito respeito.

Depois chegou a doença, do foro oncológico, e, quase de repente, o Pai Jorge faleceu.
Tenho uma relação com a morte, a minha, que há-de vir, e a dos outros, que muitos acham peculiar. Tenho-a como facto inevitável do existir, e concordo com quem disse que "começamos a morrer logo que nascemos".
Por outro lado sou agnóstico. Não tenho por isso o consolo, meu ou dos outros, de uma vida de recompensa ou castigo para além da morte.
Nunca fui visitar o Pai Jorge ao hospital, ou sequer a casa, facto que mereceu a crítica de alguns. A partir do momento em que soube que o seu fim se aproximava, de modo inexorável, optei por não o visitar. Não saberia o que lhe dizer, o que se diz a alguém que vê a areia da ampulheta a rarear e sabe que não a vai voltar outra vez, não sou pessoa para repetir baboseiras e lugares comuns, seria certamente um momento embaraçoso para ambos. Por outro lado, iria provavelmente encontrar um Pai Jorge fisicamente diminuído, marcado pela doença e pela medicação. Assim, critiquem-me o que quiserem, mas tenho do Pai Jorge a imagem de um homem acutilante, saudável e risonho, e foi essa a imagem que quis guardar dele. Apesar do meu desprendimento em relação à morte fui ao funeral. Por respeito ao Pai Jorge e à família, a quem quis dar o meu abraço e apoio nesse momento. E nunca o disse antes, mas chorei nesse dia.

Falemos agora da Margarida, filha do Pai Jorge. Não sendo íntimos, creio que nos unem laços de amizade e respeito mútuo. É rapariga para dar e vender energia. E fruto dessa energia, deitou mãos à obra e passou ao papel o que lhe ia na alma em relação ao que tinha vivido não apenas o Pai Jorge, mas também ela própria.
Penso eu, porque a obra que agora dá à estampa, e muito apropriadamente intitulada "Olho Neles", repousa ainda em cima da minha secretária, à espera que a leia.
É o que vou fazer de seguida. Depois contarei....

4 comentários:

th disse...

O teu post me fez confrontar com a minha postura mediante a Morte, a morte de minha mãe.
É um assunto que ainda não consegui resolver.
Não te esqueças do desafio que te fiz.
Beijo, th

Carlos Gil disse...

gostei. incluindo a atitude. porque eu ainda não sei lidar com ela, embora não haja dia em que não...

Anónimo disse...

Zeca...quero agradecer-te por teres divulgado o meu livro.E igualmente a gradecer-te toda amizade que dedicas-te ao meu pai e a nós também...
Continua!
Com amizade,
Margarida Oliveira

Madalena disse...

Olá Magude! Gostei tanto desta tua homenagem. Eu também tenho da morte essa certeza: ninguém lhe escapa. Nem eu mesma. Por isso pretendo colher o mais possível o que a natureza humana me dá de afectos e carinhos. É uma fatia da vida que vale a pena preencher até à saturação!!!! Mil beijinhos