
Por estes dias pousei a pena. As férias primeiro, no regresso destas a avassaladora modorra que me assaltou, têm-me mantido afastado da escrita. A musa é inconstante e caprichosa e nem sempre me concede o dom do seu diáfano toque. Mas um certo fastio e a necessidade de algum distanciamento e o repensar desta (quase) obrigação diária de escrever algo, também contribuiram para a ausência de inspiração. Não deixei de fazer a regular e prazenteira ronda pelos blogs do meu contentamento, mas até aí me abstive dos habituais comentários.
Escrevo desde muito novo, porque esse acto intímo me ajudava a espantar os meus fantasmas, porque me tranquilizava, porque às vezes tenho tanto guardado dentro de mim, algo que vai crescendo e ameaça asfixiar-me, que necessito de uma válvula de escape, preciso de extravasar ideias e sentimentos.
Mas a escrita, em mim, nunca foi algo fácil ou automatizado, nunca foi um ritual de periocidade certa, passeavam-se tranquilos os dias e as semanas sem que a mão levasse ao papel um único pensamento. Por outro lado, quase tudo o que escrevi mantive-o para mim, em cadernos que se foram acumulando pelos anos, nunca outros olhos que não os meus testemunharam esses devaneios e desabafos, com excepção das inevitáveis ridículas cartas de amor ( e "Todas as cartas de amor são ridículas...", não é Fernando?). 
Assim, vejo-me perante duas novidades: a exigência de escrever regularmente e a responsabilidade de saber que agora existe alguém que me lê. A primeira novidade não constituiria grande incómodo, tenho na mala que desde há muito me acompanha manancial suficiente de escritos para colmatar os dias cinzentos, por vezes uma imagem necessita apenas de um breve comentário ou nem sequer isso, uma efeméride qualquer, e todos os dias há uma, serve para encher o monitor. Mas isso não me basta e aí reside o busílis. 
Manter um blog como um acto narcisista e presunçoso não me interessa. Palmadinhas nas costas, de amigos simpáticos e generosos, mesmo quando escrevo banalidades, também não.
Quero que a minha escrita tenha sentido ou faça alguém sentir algo. Mesmo quando esse alguém sou apenas eu. Sou juíz e júri de mim próprio. Por cada texto que aqui deixei bastantes outros foram arrasados a um toque na tecla "delete". E esse dilema, a necessidade de todos os dias escrever algo que não fosse vulgar e comezinho, levou-me a este distanciamento.
Por outro lado, a temática da minha escrita é a um tempo infinita e limitada: infinita porquanto as suas fronteiras são as da minha imaginação, limitada porque muitos dos assuntos que me poderiam dar matéria para escrita diária me não interessam: a política, ou a pequena política corriqueira deste nosso Portugal, na melhor das hipóteses aborrece-me de morte ou dá-me náuseas, o desporto tem por nome futebol, sobre os incêndios está tudo dito e nada feito, as tricas e tretas dos colunáveis deixam-me indiferente, não me passa pela cabeça postar sobre o que leio noutros blogs, para isso servem os comentários que por lá deixo, e o túnel vai-se estreitando sobre a minha cabeça.
Esta reflexão, este clarear de ideias no meu cérebro, decorre já há algum tempo, e tem o efeito catártico de um desabafo. Deixei de sentir a obrigatoriedade da escrita diária, essa espada de Demócles que me oprimia e toldava. A tranquilidade chegou-me como as ondas nas marés baixas dos dias calmos.
.foto: josé carlos
 
5 comentários:
Sei o que dizes, tem que vir com a vontade, tudo que é por obrigação é muito chato, ehehehe, Magude mas até no desabafo,és transparente.Escreve sim quando te bater em dois lugares, cabeça e coração e de desgraçadas, sejam elas politicas , catastrofes,etc...basta ver para quê escrever?!! Bem, minha opinião, só sei que gosto do teu blog, simples, imagens lindas , que nem sempre precisam de texto, e tuas palavras. Beijocas e fica bem
A escrita, quando vem das entranhas, é caprichosa, voluntariosa, eu sei lá que mais. Nós, os que te lemos, é que somos prepotentes, e mesmo com boas intenções te pressionamos demasiado. E tudo isto porque gostamos demais do que escreves. Continua como puderes...um beijo
Quantas avé-marias preciso de rezar para redimir a minha quota parte de pressão? Toda a razão - o leitor não deve meter-se no mister e ritmo do autor. Vou tentar falar como o rato. Descontraidamente, continue-se a obra. Abraço. João Tunes
Família (te chamo assim pq o considero amigo de coração), fico embasbacado como uma imagem posta no seu blog pode levar-lhe à um texto simplesmente interessante...não veja isto como palmadinhas nas costas, apenas veja como reconhecimento dum pseudo-escriba que também enfrenta momentos de "cinzentismo" qd a inspiração desaparece e a musa nao aparece por a distância que nos sepera fazer-se sentir sempre que eu respiro...é o amor na sua plenitude...fica aquele abraço de sempre!
Milay-Cairo
Oh pena feita sinceridade, obrigada pela pessoa que és!! - uma que não é de elogio fácil.
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