sábado, 16 de julho de 2005

Uma Avó.


Era uma vez uma anciã a quem muitas noites de luar tinham embranquecido os negros cabelos da juventude. Essa senhora tinha um neto e esse neto um amigo. Só assim, um amigo, porque os amigos não necessitam de adjectivos. O neto visitava amiúde a avó, e sempre que o fazia, o amigo acompanhava-o. Como boa avó que era, e apesar de o neto ter já entrado na casa dos trinta anos, sempre que havia visita, entregava-lhe uma nota para "beber qualquer coisa na viagem", como ela dizia. O amigo era recebido como se da casa fora, com franqueza e carinho,
E um dia, a avó virou-se para o amigo e disse-lhe: - Toma, esta é para ti.
O amigo recusou, que ideia, não era próprio, não era necessário. Afinal, o vencimento mensal do amigo ultrapassava em várias vezes a magra reforma da avó.
A avó insistiu, o amigo contrapôs que não era seu neto, que não se justificava, e ela continuava a insistir.
Para não ofender uma ancião orgulhosa na sua modéstia, aceitou. E desde então, sempre que encontrava a anciã, dela recebia primeiro um carinhoso beijo e um abraço, dados com um sorriso no rosto enrugado e a expressão "Olha o meu neto Zé!" e na despedida a respectiva nota "para a viagem"
Esse amigo era eu e a anciã a minha Tá Rosaira (Rosário). A Tá Rosaira foi hoje sepultada, aos 94 anos de idade, eu perdi uma avó que me adoptou e escrevo esta simples homenagem de lágrimas nos olhos.

5 comentários:

th disse...

Só te posso abraçar, comovidamente.
th

Anónimo disse...

Lindo. Mereces essa Avó. Abraço. João Tunes

Madalena disse...

São laços muito fortes esses que se dão com as linhas do coração. A "avó" ganhou um neto e o "neto" ganhou uma avó. Chagada a hora da despedida há mais um neto a quem dói esta partida. Mas também há mais memória e há mais céu para a tua avó "Tá Rosaira". Foste tu quem mo disse há dias. E eu achei que era tão verdade, que resovi vir pôr este teu entendimento sábio na tua mão outra vez.
Um beijo!

Anónimo disse...

um beijinho, pensa... terás uma estrela para olhares, e essa de certeza brilhará... Tareca

Margarida Bonvalot disse...

É assim, há avós que excedem os laços de sangue e nos adoptam como se seus netos fossemos. Quando partem deixam-nos um vazio na alma maior ainda que a sua generosidade. Um abraço.