
No cais não se reconhece ninguém, só lenços brancos acenando, choros e gritos e ranger de dentes, e a banda que continua a tocar, e os capacetes brancos da polícia militar, ou serão mais lenços. Chegam a bordo as senhoras do movimento nacional feminino distribuindo cigarros e bentas imagens e aerogramas e apertos de mão, cheirosas senhoras bem, filhas de famílias bem, esposas fidelíssimas de senhores bem e mães extremosas de meninos bem a estudar em londres ou com adiamento de incorporação a beber bicas no nicola e a ler sartre. Piedosas senhoras bem comprando bilhetes de lotaria da taluda do reino do céu, anda à roda no dia do juízo final, E tu que fizeste minha filha, Distribui cigarros e bentas imagens e aerogramas e apertos de mão, senhor.
Larga amarras o navio afastando-se lenta e inexoravelmente de terra, adeus cais de alcântara, adeus ponte salazar, adeus farol do bugio, adeus, adeus, até ao meu regresso. Roncam mais forte as entranhas da nave, mais negro e expesso o fume que expele, entrando mar adentro, o mar salgado das lágrimas de mãe que o poeta cantou.
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continua...
foto: Centro de Documentação 25 de Abril - Universidade de Coimbra
2 comentários:
Só quero agradecer, não para que não se esqueça, mas para que se lembre, que é preciso lembrar muito e muitas vezes.
E gostei de lembrar e lembrar da maneira como o faz.
E à Chuinga, IO, o devo.
Obrigado aos dois.
Que nunca se esqueça que foi derramado muito sangue em vão...Assassinos...
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