Citando o saudoso Vitorino Nemésio, se bem me lembro, o Dr. José Basso integrou a lista eleitoral do Partido Socialista de Nisa às últimas eleições autárquicas enquanto independente, não em representação de nenhum partido ou movimento político ou associação cívica. Desconheço a forma da Moção de Censura que o mesmo submeteu à apreciação do Presidente da Assembleia Municipal de Nisa e que este entendeu dever integrar a Ordem de Trabalhos da Assembleia Ordinária hoje reunida. O que sei foi pelo que me chegou às mãos: um folheto, emitido pela Associação Política Renovação Comunista, na recente senda de comunicados que parece ter-se tornado moda, informando a população da apresentação de uma Moção de Censura à Presidente da Câmara.
Vamos por partes:
1- Quem apresentou a Moção de Censura?
- Não foi certamente a Associação Política Renovação Comunista, dado que esta não foi submetida a votos no concelho de Nisa. Assim, só poderá ter sido o eleito Dr. José Basso a fazê-lo, a título individual, direito que a lei, e bem, lhe concede. Neste cenário, só entendo o comunicado e o seu propósito como tendo uma clara intenção de provocar o Partido Socialista, por cujas listas foi o Dr. José Basso eleito, e ainda a intenção de incendiar a opinião da população do concelho.
2 - Deveria a Moção de Censura ter sido aceite pelo Presidente da Assembleia Geral?
- Creio ser o Regimento da Assembleia Municipal de Nisa omisso neste particular. De acordo com a Lei Nº 5-A/2002 (Quadro de Competências e Regime Jurídico de Funcionamento dos Órgãos dos Municípios e das Freguesias), nomeadamente com o nº 1, alínea l), do Art.º 53º (Competências da Assembleia Municipal), desde que apresentada, do ponto de vista formal, de modo correcto, (pedido efectuado com 5 dias de antecedência sobre a data da Assembleia e entrega da Ordem de Trabalhos a todos os membros com 48 horas de antecedência), e desde que a Moção de Censura tenha sido dirigida ao órgão Câmara Municipal, teve o Presidente da Assembleia Municipal toda a legitimidade para a ter integrado na Ordem de Trabalhos. Se a Moção de Censura foi dirigida à Presidente da Câmara então viola o disposto legal, e não deveria ter sido aceite. A Ordem de Trabalhos desta Assembleia não é clara acerca do objecto da Moção de Censura, embora o folheto já citado e um documento que circula na internet, presumivelmente da autoria ou inspiração do proponente da mesma, refiram a Presidente da Cãmara e não a Cãmara Municipal.
3 - Pode a Câmara cair devido à votação e aprovação por maioria de uma Moção de Censura?
- Não. A Moção de Censura não tem, por si e "de jure", a possibilidade de automaticamente provocar a queda da Presidente ou do executivo camarário. Não teria portanto, a Presidente da Câmara Municipal de Nisa, a obrigação legal, sendo a Moção aprovada, de se demitir. O que acontece por vezes, em relação a titulares de cargos em órgãos colegiais eleitos, é que estes se demitem em face da aprovação de uma Moção de Censura, por razões éticas, ou pelo entendimento que, face à falta de confiança política dos seus pares ou dos órgãos de fiscalização da sua acção, não estarem reunidas as condições que permitam a sua continuação. Por outro lado, ainda que a Presidente da Câmara se demitisse, isso só implicaria, de acordo com o Art.º 79º (Preenchimento de Vagas) da Lei supra, a sua substituição pelo cidadão na ordem imediatamente a seguir da sua lista ou coligação. Ou seja, o Dr. Manuel Bichardo assumiria a presidência da Câmara, sendo por sua vez substituído por quem o precedeu nas eleições, até estar de novo completo o executivo camarário. Só demitindo-se os eleitos para a Câmara Municipal de Nisa, incluindo os suplentes nas listas eleitorais, de modo a não restarem em número suficiente para constituir o órgão, ou seja cinco, este cairia, obrigando a eleições antecipadas.
4 - Poderia a votação ter assumido a forma, como aconteceu, de votação nominal por braço no ar?
- Não. É clara a alínea 3) do Art.º 90 (Formas de Votação) da Lei supra: "as deliberações que envolvam a apreciação de comportamentos ou de qualidades de qualquer pessoa são tomadas por escrutínio secreto e, em caso de dúvida, o órgão delibera sobre a forma de votação". Assim, a votação ocorrida esta tarde está ferida de nulidade formal, podendo e devendo ser impugnada, por clara violação do estipulado na Lei.
Em jeito de resumo, apenas 3 considerações:
A primeira, dirigida à Presidente da Câmara, a quem louvo a coragem de ter estado presente na Assembleia, ao contrário do que fizeram autarcas de outros municípios, como António Costa, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, perante procedimento similar, em Março de 2009. Sabe quem me lê, e a Presidente da Câmara também, que não concordo com muitas das suas decisões e procedimentos. Daí a concordar com a campanha de aviltamento público que vem sendo conduzida contra a sua pessoa, visando provocar a sua queda e eleições antecipadas, vai uma grande distância. Apenas andou mal ao abandonar temporariamente a Assembleia, de modo intempestivo: embora entenda as suas razões, ao fazê-lo, apenas fez o jogo de quem a atacava.
A segunda, dirigida ao Dr. José Basso, que não conheço pessoalmente, condenando-o pela forma como conduziu este processo e pelo métodos de baixa política utilizados, levando a discussão para o campo da arruaça e do insulto pessoal. Se tem provas de procedimentos ilegais por parte da Presidente da Câmara, utilize-as. Para isso servem também a Assembleia Municipal e os Tribunais. Para mim, e até prova em contrário, as insinuações maldosas que fez hoje não passam disso mesmo.
Por fim, em relação à Moção de Censura apresentada, que acabou chumbada, apenas com o voto a favor do proponente, Dr. José Basso, a abstenção dos deputados municipais do PSD e os votos contra dos deputados municipais do PS e da CDU: a montanha pariu um rato!