quarta-feira, 30 de junho de 2010

Sables mouvants

Porque há fotografias pensadas para um poema


Sables mouvants


Démons et merveilles

Vents et marées

Au loin déjà la mer s'est retirée

Démons et merveilles

Vents et marées

Et toi

Comme une algue doucement carressée par le vent

Dans les sables du lit tu remues en rêvant

Démons et merveilles

Vents et marées

Au loin déjà la mer s'est retirée

Mais dans tes yeux entrouverts

Deux petites vagues sont restées

Démons et merveilles

Vents et marées

Deux petites vagues pour me noyer.
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foto: jc
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poema: Jacques Prévert

Comunicado



Pensava eu que a moda dos comunicados que recentemente se instalou em Nisa fosse um fenómeno localizado, assim como uma espécie de anticiclone dos Açores, característico apenas de determinada área, que volta e meia nos aborrece. Hoje, meditando sobre o assunto, vejo que estava enganado.

A moda também parece ter pegado de estaca na Selecção Nacional de Futebol. Senão vejamos: Nani, ao chegar a Lisboa, presta declarações à imprensa e, logo de seguida, emite um comunicado. Deco, na sequência de uma substituição, presta declarações à imprensa e, logo  de seguida, emite um comuicado. Cristiano Ronaldo, após a derrota de ontem, presta declarações à imprensa e, logo de seguida emite um comunicado.

Só esta sucessão de comunicados já merecia, ela própria, um comunicado, talvez de Carlos Queiroz ou da Federação Portuguesa de Futebol. Mas como Queiroz se parece, cada vez mais, com aqueles cãezinhos que nos anos setenta,  cuidadosamente centrados sobre felpudo tapete, decoravam as chapeleiras de 1 em cada 3 Ford Capri que roncavam nas estradas nacionais, sempre de sorriso alarve abanando a cabecinha em permanente estado de auto-satisfação, e a FPF me lembra o Hardy (da parelha Laurel & Hardy, ou, por cá, Bucha e Estica), que nunca produzia discurso inteligível, substutuido por sons balbuciados e incoerentes, vão debitando comunicados os jogadores.

Mas o que realmente me fascina nos comunicados que foram dados à estampa é o facto de, invariavelmente, servirem para desmentir ou mitigar declarações anteriormente proferidas. Senão vejamos:

- Nani, em declarações à imprensa: "Numa semana estarei bom.";
- Nani, em comunicado: "Deveria ter-me explicado melhor (...)".

- Deco, em declarações à imprensa:  "(...) surpreendeu o treinador me pôr do lado direito (...) e depois, passados 5 minutos, me substituir (...)";
- Deco, em comunicado: "(...) nunca tive e não tenho nenhum problema com o treinador e jamais foi minha intenção colocar em causa as decisões do professor Carlos Queiroz(...)".

- Ronaldo, em declarações à imprensa: "O que é que eu explico? Fale com o Carlos Queiroz.";
- Ronaldo, em comunicado: "(...) naquele momento não conseguiria dizer mais que três ou quatro frases lúcidas. (...) Jamais pensei que aquela simples e inocente frase provocasse tanta polémica, por isso peço que não encontrem fantasmas onde eles não existem, porque a realidade é que estão a criar um caso que não é caso".

Das três uma: ou entrei definitivamente na fase decadente da minha vida, a desenvolver acentuada esclerose múltipla  ou grave psicose esquizofrénica; ou os jogadores, poços de iliteracia funcional, têm que voltar para a escola e aprender a falar português, para passarem a dizer exactamente aquilo que querem; ou a verdade do cansaço, (invenção minha, coisa assim do género da "in vino veritas", a verdade do vinho), que acontece quando as pessoas estão saturadas, psíquica ou fisicamente, os fez dizer o que lhes ia na alma, mas depois, porque não têm "cojones", porque não é politicamente correcto ou porque lhes estraga a imagem pública, se apressam a desmentir, normalmente quando intervem o agente desportivo ou o pessoal do marketing.

Ora, sendo certo que os anos me vão invadindo como as marés cheias os estuários, creio manter ainda toda a minha lucidez. Assim, só me resta concluir que, entre a ileteracia funcional dos jogadores em questão e a verdade do cansaço, seguida da tal falta de "cojones" e quejandos, estará a resposta.

Uma última palavra que se diz por vezes aos meninos: cresçam e apareçam!

segunda-feira, 28 de junho de 2010

E a montanha pariu um rato...



Citando o saudoso Vitorino Nemésio, se bem me lembro, o Dr. José Basso integrou a lista eleitoral do Partido Socialista de Nisa às últimas eleições autárquicas enquanto independente, não em representação de nenhum partido ou movimento político ou associação cívica.
Desconheço a forma da Moção de Censura que o mesmo submeteu à apreciação do Presidente da Assembleia Municipal de Nisa e que este entendeu dever integrar a Ordem de Trabalhos da Assembleia Ordinária hoje reunida. O que sei foi pelo que me chegou às mãos: um folheto, emitido pela Associação Política Renovação Comunista, na recente senda de comunicados que parece ter-se tornado moda, informando a população da apresentação de uma Moção de Censura à Presidente da Câmara.

Vamos por partes:

1- Quem apresentou a Moção de Censura?

- Não foi certamente a Associação Política Renovação Comunista, dado que esta não foi submetida a votos no concelho de Nisa. Assim, só poderá ter sido o eleito Dr. José Basso a fazê-lo, a título individual, direito que a lei, e bem, lhe concede. Neste cenário, só entendo o comunicado e o seu propósito como tendo uma clara intenção de provocar o Partido Socialista, por cujas listas foi o Dr. José Basso eleito, e ainda a intenção de incendiar a opinião da população do concelho.

2 - Deveria a Moção de Censura ter sido aceite pelo Presidente da Assembleia Geral?

- Creio ser o Regimento da Assembleia Municipal de Nisa omisso neste particular. De acordo com a Lei Nº 5-A/2002 (Quadro de Competências e Regime Jurídico de Funcionamento dos Órgãos dos Municípios e das Freguesias), nomeadamente com o nº 1,  alínea l), do Art.º 53º (Competências da Assembleia Municipal), desde que apresentada, do ponto de vista formal, de modo correcto, (pedido efectuado com 5 dias de antecedência sobre a data da Assembleia e entrega da Ordem de Trabalhos a todos os membros com 48 horas de antecedência), e desde que a Moção de Censura tenha sido dirigida ao órgão Câmara Municipal,  teve o Presidente da Assembleia Municipal toda a legitimidade para a ter integrado na Ordem de Trabalhos. Se a Moção de Censura foi dirigida à Presidente da Câmara então viola o disposto legal, e não deveria ter sido aceite. A Ordem de Trabalhos desta Assembleia não é clara acerca do objecto da Moção de Censura, embora o folheto já citado e um documento que circula na internet, presumivelmente da autoria ou inspiração do proponente da mesma, refiram a Presidente da Cãmara e não a Cãmara Municipal.

3 - Pode a Câmara cair devido à votação e aprovação por maioria de uma Moção de Censura?

- Não. A Moção de Censura não tem, por si e "de jure", a possibilidade de automaticamente provocar a queda da Presidente ou do executivo camarário. Não teria portanto, a Presidente da Câmara Municipal  de Nisa, a obrigação legal, sendo a Moção aprovada, de se demitir. O que acontece por vezes, em relação a titulares de cargos em órgãos colegiais eleitos, é que estes se demitem em face da aprovação de uma Moção de Censura, por razões éticas, ou pelo entendimento que, face à falta de confiança política dos seus pares ou dos órgãos de fiscalização da sua acção, não estarem reunidas as condições que permitam a sua continuação. Por outro lado, ainda que a Presidente da Câmara se demitisse, isso só implicaria, de acordo com o Art.º 79º (Preenchimento de Vagas) da Lei supra, a sua substituição pelo cidadão na ordem imediatamente a seguir da sua lista ou coligação. Ou seja, o Dr. Manuel Bichardo assumiria a presidência da Câmara, sendo por sua vez substituído por quem o precedeu nas eleições, até estar de novo completo o executivo camarário. Só demitindo-se os eleitos para a Câmara Municipal de Nisa, incluindo os suplentes nas listas eleitorais, de modo a não restarem em número suficiente para constituir o órgão, ou seja cinco, este cairia, obrigando a eleições antecipadas.


4 - Poderia a votação ter assumido a forma, como aconteceu, de votação nominal por braço no ar?

- Não.  É clara a alínea 3) do Art.º 90 (Formas de Votação) da Lei supra: "as deliberações que envolvam a apreciação de comportamentos ou de qualidades de qualquer pessoa são tomadas por escrutínio secreto e, em caso de dúvida, o órgão delibera sobre a forma de votação". Assim, a votação ocorrida esta tarde está ferida de nulidade formal, podendo e devendo ser impugnada, por clara violação do estipulado na Lei.

Em jeito de resumo, apenas 3 considerações:

A primeira, dirigida à Presidente da Câmara, a quem louvo  a coragem de ter estado presente na Assembleia, ao contrário do que fizeram autarcas de outros municípios, como António Costa, Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, perante procedimento similar, em Março de 2009. Sabe quem me lê, e a Presidente da Câmara também, que não concordo com muitas das suas decisões e procedimentos. Daí a concordar com a campanha de aviltamento público que vem sendo conduzida contra a sua pessoa, visando provocar a sua queda e eleições antecipadas, vai uma grande distância. Apenas andou mal ao abandonar temporariamente a Assembleia, de modo intempestivo: embora entenda as suas razões, ao fazê-lo, apenas fez o jogo de quem a atacava.

A segunda, dirigida ao Dr. José Basso, que não conheço pessoalmente, condenando-o pela forma como conduziu este processo e pelo métodos de baixa política utilizados, levando a discussão para o campo da arruaça e do insulto pessoal. Se tem provas de procedimentos ilegais por parte da Presidente da Câmara, utilize-as. Para isso servem também a Assembleia Municipal e os Tribunais. Para mim, e até prova em contrário, as insinuações maldosas que fez hoje não passam disso mesmo.

Por fim, em relação à Moção de Censura apresentada, que acabou chumbada, apenas com o voto a favor do proponente, Dr. José Basso, a abstenção dos deputados municipais do PSD e os votos contra dos deputados municipais do PS e da CDU: a montanha pariu um rato!

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Insondáveis mistérios da matemática



Entrevistado pelo "Jornal de Nisa", em artigo publicado na edição dada à estampa esta semana, declarou o Dr. Jorge Rebeca, Presidente do Concelho de Administração da Ternisa, que "foi (...) importante o facto de 67% dos utentes de 2009 serem já clientes da Ternisa em 2007, contrariando os receios de que, com o encerramento do antigo balneário durante o ano de 2008, se verificasse uma perda de clientes".

Ou seja, 33% dos clientes voaram para outras paragens e não regressaram, mas, pelos vistos, não se perderam clientes. Dito de outra maneira, cerca de 1/3, 1 em cada 3, dos aquistas, que frequentaram as Termas da Fadagosa em 2007 foram para não voltar, mas, pelos vistos, não se perderam clientes.

Eu não percebo, mas também nunca fui grande coisa a matemática e isto de percentagens, frações e coisas do género são demais para os meus dois neurónios.
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imagem: jc

sexta-feira, 4 de junho de 2010

"Much ado about nothing"

Não me recordo de intervenção urbanística de maior vulto em Nisa que, do ponto de vista arquitectónico, não tenha sido pretexto para grossa polémica. Recordo aqui a intervenção na Praça da República, na zona da Devesa e, mais recentemente, no Largo Heliodoro Salgado.

O povo, essa mole anónima, normalmente apática e ovinamente obediente, instigado por alguns, a pretexto de interesse particular, interesse político ou mera necessidade de protagonismo, barafusta e reclama, sem no entanto passar das intenções aos actos. Existem mecanismos na Lei que permitem aos Cidadãos que o solicitem, a título individual ou colectivo, interromper a continuação de obras que não sejam do seu agrado. Mas não pretendo aqui dar lições de cidadania a ninguém.

Apenas vos quero contar uma pequena história: em 1988, fazia parte de um grupo de alunos e professores da Faculdade de Direito de Lisboa que regularmente se reunia, num café da Avenida de Roma, para conviver e conversar, sobre temas nas áreas do Direito e da Literatura, sem nestas se esgotar o debate, aquilo a que noutros tempos se chamava uma tertúlia.

Nesse ano tiveram início as obras do Centro Cultural de Belém. Obra de vulto, para a cidade e para o Governo (não esqueçamos que o mesmo foi concebido para acolher, em 1992, a presidência portuguesa da União Europeia), foi fruto de intenso debate nacional, como não me lembro de outro nesta área (à excepção, talvez, da Centro Comercial das Amoreiras, do arquitecto Tomás Taveira). A polémica resultava do facto de o CCB se encontrar junto ao Mosteiro dos Jerónimos, obra-prima do Manuelino, e de, diziam alguns, ofender, pela volumetria e pelo estilo, tal espaço sagrado.

Do intenso debate entre partidários da obra (entre os quais me encontrava) e os que a condenavam, recordo uma frase, sem recordar o autor, que apenas lembro ser um dos professores:

“- Aposto que em 1502, quando o Boitaca lá andava às voltas com os desenhos do Mosteiro, devem ter ocorrido muitas discussões destas, com gente a resmungar que raio de ideia é que era aquela de estar a construir um mosteiro numa aldeola de pescadores e marinheiros, ainda por cima com uns arcos esquisitos, que acabavam em bico, em vez de serem de volta inteira, muito mais bonitos.”

Se tenho alguma coisa a apontar às obras realizadas em Nisa durante os últimos anos? Cada cabeça sua sentença: pois tenho! Questiono algumas questões de pormenor, sem questionar porém uma evidente melhoria. Dir-me-ão que penso assim porque não tenho memória da Vila, porque não sou de cá. Será, mas garanto-vos que daqui por 20 ou 30 anos, quando já ninguém, excepto alguns velhos “morrentos”, se lembrar das polémicas, mexeriquices e má-língua que ora grassam por aí, quando e se algum autarca pretender de novo alterar os exemplos acima citados, vai outra vez “cair o Carmo e a Trindade”! Termino com o título de uma obra de Shakespeare: "Much ado about nothing"!
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Boitaca: Diogo de Boitaca ou Boytac, arquitecto de origem francesa, que trabalhou em Portugal entre finais do séc. XV e inícios do séc. XVI, o autor do plano inicial e de parte da execução do Mosteiro dos Jerónimos.