Não me recordo de intervenção urbanística de maior vulto em Nisa que, do ponto de vista arquitectónico, não tenha sido pretexto para grossa polémica. Recordo aqui a intervenção na Praça da República, na zona da Devesa e, mais recentemente, no Largo Heliodoro Salgado.
O povo, essa mole anónima, normalmente apática e ovinamente obediente, instigado por alguns, a pretexto de interesse particular, interesse político ou mera necessidade de protagonismo, barafusta e reclama, sem no entanto passar das intenções aos actos. Existem mecanismos na Lei que permitem aos Cidadãos que o solicitem, a título individual ou colectivo, interromper a continuação de obras que não sejam do seu agrado. Mas não pretendo aqui dar lições de cidadania a ninguém.
Apenas vos quero contar uma pequena história: em 1988, fazia parte de um grupo de alunos e professores da Faculdade de Direito de Lisboa que regularmente se reunia, num café da Avenida de Roma, para conviver e conversar, sobre temas nas áreas do Direito e da Literatura, sem nestas se esgotar o debate, aquilo a que noutros tempos se chamava uma tertúlia.
Nesse ano tiveram início as obras do Centro Cultural de Belém. Obra de vulto, para a cidade e para o Governo (não esqueçamos que o mesmo foi concebido para acolher, em 1992, a presidência portuguesa da União Europeia), foi fruto de intenso debate nacional, como não me lembro de outro nesta área (à excepção, talvez, da Centro Comercial das Amoreiras, do arquitecto Tomás Taveira). A polémica resultava do facto de o CCB se encontrar junto ao Mosteiro dos Jerónimos, obra-prima do Manuelino, e de, diziam alguns, ofender, pela volumetria e pelo estilo, tal espaço sagrado.
Do intenso debate entre partidários da obra (entre os quais me encontrava) e os que a condenavam, recordo uma frase, sem recordar o autor, que apenas lembro ser um dos professores:
“- Aposto que em 1502, quando o Boitaca lá andava às voltas com os desenhos do Mosteiro, devem ter ocorrido muitas discussões destas, com gente a resmungar que raio de ideia é que era aquela de estar a construir um mosteiro numa aldeola de pescadores e marinheiros, ainda por cima com uns arcos esquisitos, que acabavam em bico, em vez de serem de volta inteira, muito mais bonitos.”
Se tenho alguma coisa a apontar às obras realizadas em Nisa durante os últimos anos? Cada cabeça sua sentença: pois tenho! Questiono algumas questões de pormenor, sem questionar porém uma evidente melhoria. Dir-me-ão que penso assim porque não tenho memória da Vila, porque não sou de cá. Será, mas garanto-vos que daqui por 20 ou 30 anos, quando já ninguém, excepto alguns velhos “morrentos”, se lembrar das polémicas, mexeriquices e má-língua que ora grassam por aí, quando e se algum autarca pretender de novo alterar os exemplos acima citados, vai outra vez “cair o Carmo e a Trindade”! Termino com o título de uma obra de Shakespeare: "Much ado about nothing"!
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Boitaca: Diogo de Boitaca ou Boytac, arquitecto de origem francesa, que trabalhou em Portugal entre finais do séc. XV e inícios do séc. XVI, o autor do plano inicial e de parte da execução do Mosteiro dos Jerónimos.
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