segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Bom senso e sensibilidade



A Lei 29/87, de 30 de Junho, define o Estatuto dos eleitos locais. Este diploma, na alínea f), nº 1, do art. 5º (Direitos), consagra o direito destes a férias. Mais adiante, no art. 14º (Férias) especifica que, quando em regime de permanência ou de meio tempo, têm direito a 30 dias de férias, sendo omissa acerca dos eleitos sem regime de permanência. Por outro lado, a alínea a), nº 3, do art. 4º (Deveres), estipula que os eleitos devem participar nas reuniões ordinárias e extraordinárias dos órgãos autárquicos de que sejam titulares.

A lei 169/99, de 18 de Setembro, estabelece o quadro de competências, assim como o regime jurídico de funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias. Refere este diploma, no seu art. 89º. (Quórum), nº 1, que “os órgãos das autarquias locais só podem reunir e deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros”.

A Câmara Municipal de Nisa é composta por 5 eleitos. Destes, apenas dois, a Presidente e o Vice-Presidente, representantes da CDU, desempenham funções a tempo inteiro, sendo que os restantes três, dois em representação do PS e um em representação do PSD, não têm regime de permanência, não se aplicando a estes o articulado citado no primeiro parágrafo. Todos os vereadores da Oposição desenvolvem algum tipo de actividade profissional, onde usufruem, naturalmente e como é de justiça, do direito a férias.

O Estatuto dos Eleitos Locais não consagra expressamente um dever de assiduidade dos autarcas, que imponha uma comparência regular e continuada ao serviço, nem estipula o que constitui falta justificada ou injustificada. No entanto, não existe qualquer norma, na legislação directamente aplicável aos eleitos locais, que resolva essas questões. Porém, do respectivo regime legal deve inferir-se a exigência de uma presença física corrente do eleito local nas instalações da autarquia. Os diplomas que regem para os funcionários e agentes da Administração Pública não são directamente aplicáveis aos eleitos locais, e nessa medida não vale para estes o regime de faltas daqueles. As aludidas normas que regem para os eleitos locais utilizam conceitos próximos dos que constam de diplomas dirigidos aos “funcionários públicos” e referidos à temática das faltas, que, por analogia, têm sido utilizados em pareceres diversos, nomeadamente do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da Republica.

Analisei com atenção toda a legislação acima citada. Porque após essa análise não estava ainda cabalmente esclarecido, consultei também alguma jurisprudência do Tribunal Constitucional e alguns pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República. Não sou jurista, mas acabei por concluir que nada impede um eleito local em regime de não permanência, de usufruir férias da sua actividade profissional quando muito bem entender. Nada na legislação em vigor os obriga sequer a comunicar ao órgão a que pertencem quando pretendem fazê-lo, pelo que os e-mails dos vereadores da Oposição da Câmara Municipal de Nisa não constituíram mais do que um acto de cortesia. Terão, isso sim, e uma vez que faltaram, até à presente data, a quatro Reuniões (três Reuniões Ordinárias e a 1 Reunião Extraordinária), de forma consecutiva, necessidade de justificar as suas faltas, mas, mais uma vez, o legislador não foi claro nesta matéria, não especificando prazo nem forma para este acto. Sendo da competência da Câmara Municipal proceder à marcação e justificação de faltas dos seus membros, e sendo a Oposição maioritária no município de Nisa, facilmente se conclui que as faltas até agora ocorridas serão todas justificadas.

Resumindo: se, do ponto de vista legal, não há, em minha opinião, nada a obstar à presente situação, do ponto de vista ético a situação é bem distinta. Digo muitas vezes que não acredito em coincidências. Por isso pergunto: será coincidência que os três vereadores da Oposição tenham marcado férias para o mesmo período? Ou trata-se antes de um acto deliberado e concertado? Na sequência do comunicado entretanto emitido pela Presidente da Câmara, que certamente não ficará sem resposta, em breve obteremos algum esclarecimento.

O concelho de Nisa atravessa um período difícil. Numa fase da vida local e nacional em que nos são pedidos sacrifícios de toda a ordem, não será obrigação moral dos eleitos darem o exemplo? Começando por garantirem o regular funcionamento dos órgãos para que foram sufragados? Seria assim tão difícil garantir a existência de quórum que permitisse a realização das Reuniões de Câmara? Na actual conjuntura, mais do que nunca, espera-se da parte de quem nos governa algum bom senso e sensibilidade. Ao invés, e continuando com outro título de Jane Austen, por ora parece que apenas vamos tendo orgulho e preconceito.





PS: a intenção de escrever esta postagem surgiu na passada quarta-feira, dia 11 de Agosto, após mais uma Reunião de Câmara não realizada, por falta de quórum, e começou a ser escrita ao inicio da manhã de sexta-feira. Ao início da tarde desse mesmo dia tomei conhecimento do comunicado emitido pela Presidente da Câmara Municipal de Nisa, Gabriela Tsukamoto, a este respeito. Por motivos vários, profissionais e pessoais, só me é possível publicá-la hoje.

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imagem: arquivo pessoal

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