Estranhamente, pelo menos para mim, não vislumbrei nos "media" hoje dados à estampa referência alguma ao golpe de 11 de Março de 1975. Serei eu, que tenho particular apetência para recordar factos importantes da nossa história recente, ou essa memória não merece de facto destaque algum, ultrapassada por coisas tão importantes como um GNR que deu o corpo ao manifesto num show erótico, quem é o árbitro que vai apitar o próximo clássico de futebol ou qual é a fortuna de Ronaldo. Entre uma coisa e outra vai-se perdendo a memória de quem somos, de como chegamos até aqui. Perguntem a qualquer pessoa com menos de 40 anos se sabe a que me refiro e a resposta mais provável será "11 de quê?".
Foi também numa terça-feira, esse outro 11 de Março. Pelas 11h45, o RAL 1 foi bombardeado por aviões da Base Aérea nº 3 e cercado por paraquedistas de Tancos, na concretização de uma tentativa de golpe de Estado, liderada por António de Spínola. Não me encontrava em Portugal aquando do 25 de Abril de 1974. Em 25 de Novembro de 1975, outra data marcante do PREC, também não me encontrava em Lisboa, pelo que a única data que vivi em directo foi o 11 de Março.
Frequentava então a 4ª classe, na Escola Primária Nº 55, na Vila Gouveia, Olivais Norte. Cerca das 12h00, entra de rompante na sala de aula o Director da Escola, curiosamente marido da minha professora, gritando "Está a haver uma revolução, manda os miúdos para casa!" Recomendava a prudência que fôssemos mantidos na escola até que algum adulto responsável nos fosse recolher mas, ao contrário, foi-nos dada ordem de ir para casa, sem acompanhamento.
Ao sair da escola, poucos metros à frente, chegados à Estrada de Moscavide, vimos passar alguns "Chaimites", coisa vulgar por esses dias, seguindo para norte. Ouvindo alguns populares, percebemos que algo se passava no RAL 1, unidade militar junto ao Aeroporto de Lisboa e às antigas portagens da A1.
Residia então a algumas centenas de metros da escola, junto à Praça José Queirós, mas ir para casa? Com coisas interessantes e possivelmente perigosas a ocorrer ali tão perto? Nem pensar! Pernas ao caminho, Avenida Dr. Alfredo Bensaúde acima, até chegar ao RAL 1. Aí chegados, cerca das 12h45, um dos militares no exterior do RAL 1 (creio que a essa hora já seriam tropas dessa unidade, às ordens do capitão Diniz de Almeida, postados em perímetro defensivo, fazendo frente às tropas do Regimento de Pára-Quedistas de Tancos) forçou-nos a abrigar-nos na arcada de um dos prédios fronteiros à unidade, situada a uma cota inferior à da rua.
Recordo a confusão de gente na avenida, militares, populares e jornalistas, numa tensão palpável, os gritos e as palavras de ordem, as acesas discussões e as armas, muitas armas em mãos nervosas. Finalmente, cerca das 15h00, a tensão dissipou-se, com a deposição das armas por parte dos pára-quedistas. Toda a gente desatou a abraçar quem estava ali ao lado, conhecido ou não, e até nós, miúdos de 10 ou 11 anos, levamos uns valentes abraços e palmadões nas costas.
Só mais tarde, ao chegar a casa, depois de umas quantas palmadas ministradas com alma pela minha mãe (merecidas, diga-se), soube do susto porque passou a minha família: para além de não saberem de mim ou de alguns dos meus primos, 3 dos meus tios maternos trabalhavam então no Aeroporto de Lisboa e, na perspectiva de que se encontrava a sul, parecia que os aviões T6 da Base Aérea Nº 3, em Tancos, que havia metralhado o RAL 1 cerca das 11h45, estavam a metralhar o aeroporto, onde funciona também o Aeroporto Militar de Figo Maduro. Com os trabalhadores da TAP/ANA retidos no areoporto por ordem das chefias, só tarde nessa noite, depois de muitas horas de incerteza, causada por boatos, comunicados e contra-comunicados, chegaram a casa os meus tios.
Este foi o meu 11 de Março de 1975. Para cronologias exactas e interpretações políticas aí estão os inesgotáveis recursos da internet. Aqui fica uma ajuda.
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