Nos últimos anos, de forma
assustadoramente regular, entre o espanto e o choque, foram-nos entrando casa
adentro notícias que davam conta de idosos encontrados mortos no seu local de
residência, muitas vezes passadas semanas, quando não meses ou anos, após o seu
falecimento. Muitos deles, por opção ou condição, viviam num estado de maior ou
menor reclusão, sem grande contacto com familiares, amigos ou vizinhos, não
deixando de ser estranho e constrangedor, para todos nós, ninguém se aperceber
da sua falta. Se, nas condições acima invocadas, consigo entender como alguém desaparece
sem que ninguém se dê conta, o mesmo não posso dizer em se tratando de alguém
que se encontra alojado num Lar de Idosos.
Vem isto a propósito de
notícia de que já tinha conhecimento, hoje lida em pormenor num jornal da
região, dando conta da morte de uma idosa, de 87 anos de idade, que se
encontrava alojada no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Amieira do Tejo. A idosa
ter-se-á ausentado, saindo pela porta principal sem que nenhum funcionário
disso se apercebesse, alegadamente porque pretendia deslocar-se a Arez, de onde
era natural e mantinha residência, acabando por ser encontrada já cadáver, numa
estrada no sentido oposto, em local já próximo do Tejo.
Estes casos vão sendo
notícia a nível regional, literalmente nas nossas “barbas”, aqui onde dizíamos
que a proximidade da rede de apoio familiar e vicinal, mesmo no caso dos idosos
institucionalizados, ao contrário da “cidade grande”, tornaria impossível tal
tipo de acontecimentos funestos. Apesar disso os incidentes vão-se sucedendo,
com maior ou menor gravidade: recordo aqui o caso da idosa do Lar da Póvoa e
Meadas, desaparecida em Março de 2011 e cujo cadáver foi apenas encontrado em Janeiro de 2012, a
cerca de 3 quilómetros da localidade, ou o caso de que ontem tive conhecimento,
de uma idosa transportada para o Hospital de Portalegre, na sequência de um
AVC, sem que tivesse sido acompanhada por qualquer funcionário da instituição,
acabando por ser transferida para o Hospital de Setúbal, que avisou a família…
passados dois dias! A instituição em questão declinou qualquer responsabilidade,
declarando que não é da sua responsabilidade acompanhar os utentes ao Hospital,
sendo isso competência da família!
Voltando ao nosso Concelho, sei
que é comum idosos alojados em alguns Lares, Lar de Amieira do Tejo incluído, em
regime de internamento, serem vistos na rua, sem acompanhamento algum e sem que
a instituição disso tenha conhecimento. Afirma o responsável pala instituição
que “o Lar não é uma prisão e não temos as pessoas amarradas”. Não, não é, mas também
o não são os infantários, as escolas ou os centros de ATL onde deixamos os
nossos filhos, certos de que ninguém os deixará ausentar sem a nossa permissão.
E, se isso sucedesse, qualquer um de nós se revoltaria em caso de incidente ou
acidente, garras de fora, prontos a esfacelar o responsável!
Os idosos, que tão cuidadosa
e eufemisticamente começamos a tratar por Séniores, porque é feio dizer velho,
não deixaram por isso de ser vítimas de maus tratos, abusos e negligência, tanto
por parte de familiares como por parte das instituições onde estão alojados. Sejamos
pragmáticos: cuidar de um idoso, principalmente em se tratando de alguém com
doença crónica ou impedimento físico ou mental, mantendo a qualidade de vida de
todos os envolvidos, não é fácil. Para isso existem as instituições, dotadas de
instalações, mobiliário e equipamentos adequados e pessoal com a devida
formação. Dessas instituições, a quem por norma pagamos largas centenas de
euros, esperamos que, acima de tudo, tratem os nossos familiares com dignidade,
garantido o seu bem-estar e segurança.
Deixo-vos o conceito de
maus-tratos, preconizado pela Declaração de Toronto de 2002 da Organização
Mundial de Saúde. Neste documento, o conceito é definido como “qualquer acto
isolado ou repetido, ou a ausência de acção apropriada, que ocorre em qualquer
relacionamento em que haja uma expectativa de confiança, e que cause dano ou
incómodo a uma pessoa idosa. Estes actos podem ser de vários tipos: físico,
psicológico/emocional, sexual, financeiro ou, simplesmente, reflectir actos de
negligência intencional, ou por omissão”. Nenhum destes comportamentos é
admissível ou tolerável!
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imagem: www.clinicademassagem.net.br
1 comentário:
Caro Snr. José Monteiro
Somos os filhos da idosa, Maria Antónia Mendes, cuja morte mereceu o seu comentário com o titulo (In) Dignidade de 2013/07/10. Acedemos ao mesmo alguns dias atrás, e não podemos deixar de agradecer a clarividência e forma precisa que usou na abordagem da triste ocorrência.
Na verdade e como deve calcular, a morte da nossa mãe nas condições em que ocorreu, constitui para nós uma tragédia dificil de ultrapassar, causando profunda dor e consternação total, desde esse fatidico dia e para sempre.
Os seus comentários, afirmações e esclarecimentos, constituiram preciosa informação e ajudaram à compreensão da ilegitimidade do acontecimento, sendo que os invocamos e sublinhamos junto das entidades envolvidas. Esperamos que o nosso procedimento ao invocar e sublinhar partes do seu texto não lhe pareça incorreto.
Bem haja pois, pelo que fez por nós e eventualmente alertando pessoas e instituições para que casos semelhantes não se repitam.
Os filhos: Maria do Carmo Pedro e António Borrego
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