Muitos dos ícones que caracterizam e marcam de forma indelével uma geração, surgem de onde menos se espera e das formas mais inusitadas. Imagens, canções, textos, que reflectem o sentir e os sonhos dos jovens em cada época. Da história portuguesa mais recente recordo um cravo a brotar do cano de uma G3, indissociável de “Grândola, Vila Morena”, uma canção de Abrunhosa, que a juventude da época transformou em hino dedicado, com muito carinho, a Cavaco Silva, “Talvez Foder”, que passava na rádio com a segunda palavra substituída por sonoro apito e, na forma escrita, surgia como “Talvez F…”. Ontem ouvi uma canção que corre o risco de se tornar emblemática para a actual geração mais jovem: “Que Parva Que Eu Sou”, dos “Deolinda”.
Sou da geração sem remuneração
E não me incomoda esta condição
Que parva que eu sou
Porque isto está mal e vai continuar
Já é uma sorte eu poder estagiar
Que parva que eu sou
E fico a pensar
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar
E não me incomoda esta condição
Que parva que eu sou
Porque isto está mal e vai continuar
Já é uma sorte eu poder estagiar
Que parva que eu sou
E fico a pensar
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar
Sou da geração "casinha dos pais"
Se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou
Filhos, marido, estou sempre a adiar
E ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou
E fico a pensar
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar
Se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou
Filhos, marido, estou sempre a adiar
E ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou
E fico a pensar
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar
Sou da geração "vou queixar-me pra quê?"
Há alguém bem pior do que eu na TV
Que parva que eu sou
Sou da geração "eu já não posso mais!"
Que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou
E fico a pensar,
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar
Há alguém bem pior do que eu na TV
Que parva que eu sou
Sou da geração "eu já não posso mais!"
Que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou
E fico a pensar,
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar
À geração da esperança, surgida de uma revolução que teve numa flor o seu símbolo, seguiu-se a “geração à rasca”, para alguns a “geração rasca”. Temos agora, no dizer do poema, a geração “sem remuneração”, “da casinha dos pais”, do “vou queixar-me para quê”, do “eu já não posso mais”. Uma geração entre a espada e a parede, encurralada entre promessas passadas e um futuro cinzento, a mais qualificada da nossa história e, simultaneamente, uma das que menos perspectivas de futuro tem.
De todas as queixas desta geração que o poema reflecte, aliás justíssimas, uma incomoda-me: “Sou da geração “vou queixar-me para quê?””. Este desinteresse, esta apatia, que vejo em miúdos de 16 anos tanto quanto em jovens de 25 anos, este baixar de braços, de conformismo, incomoda-me, deixa-me irrequieto, assusta-me e irrita-me. Quando ouço queixas de jovens, e volto a frisar que tenho por justas e acertadas muitas delas, ponho-lhes sempre a mesma questão: o que estás a fazer para alterar a situação? E a resposta é, invariavelmente, … nada! Com as costumeiras justificações: o que é que eu sozinho posso fazer, não vale a pena, não tenho culpa. Porra, que já chateia!
Esta geração está exactamente onde os políticos querem que ela esteja: num canto, entretida com os seus caros brinquedos, resmungando baixinho, em serenas contemplações de umbigo, sem fazer ondas. E volto a um tema que me é caro, o do exercício da cidadania: a alteração da situação de um país, em democracia, começa por fazer-se através da escolha que o voto proporciona. Os últimos dados estatísticos a que tive acesso, referentes à distribuição etária da abstenção, datam de 2002, numa análise do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que apresenta os seguintes resultados:
Fonte: CEP, 2002 |
Nas legislativas de 2002 a taxa de abstenção mais elevada corresponde à faixa etária mais nova, entre os 18 e os 29 anos, atingindo os 39,5%. Desconheço resultados mais recentes, mas pelas conversas que vou mantendo com a juventude cá do burgo, suspeito que este valor tenha crescido.
Afinal em que ficamos: as perspectivas são más, mas ficamos à espera que, por intervenção divina, este estado se altere? Remete-se a culpa para as gerações mais velhas e reduzimo-nos à inércia? Limitamo-nos a brandos queixumes e a encolheres de ombros? É a vida?
Revoltem-se! Gritem o vosso desespero, se é isso o que sentem, porque não é isso que vejo, mobilizem-se, exerçam o vosso direito de voto e elejam quem defenda os vossos interesses. E se os políticos não cumprirem o que vos prometerem, defraudando o sentido do vosso voto, vão para a rua defender a vossa vida e o vosso futuro. Façam greve, não porque é porreiro não ter aulas mas como manifestação de cidadania, candidatem-se a um cargo político, não para ter um “tacho” mas para fazer mudar o sistema por dentro, façam ouvir a vossa voz no Parlamento, nos Governos Civis, nas Câmaras Municipais, nas escolas. Se não vos derem voz, tomem-na. Se vos puserem a mão na boca, mordam. Se for preciso, façam outra revolução, mas, por favor, parem com as lamúrias e façam alguma coisa!
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