No próximo domingo somos de novo chamados, mais do que a cumprir um dever cívico, a exercer um direito que a Democracia nos concedeu. Um direito cuja conquista custou a muitos a prisão, a tortura, o exílio. Não obstante, boa parte do Povo português continua hoje, como ontem, a deixar correr o marfim, em bovinas contemplações de umbigo. Esperava eu, nesta teimosia talvez ingénua de acreditar no inconformismo do ser humano, que no actual contexto socioeconómico, o Povo deste país se mobilizasse e decidisse ajudar à resolução dos problemas, em vez de continuar a reclamar sem nada fazer.
Vivemos em Democracia há quase 37 anos. Passado um período de encantamento inicial, em que tudo era maravilhosamente novo, fresco e belo, o povo foi-se gradualmente afastando da política, e mais ainda, digo eu, dos políticos. De quem é a responsabilidade? Como em todos os divórcios, e é disso que se trata, a responsabilidade nunca pode ser assacada apenas a uma das partes. É injusto acusar apenas a classe política, como por norma acontece. O povo português está hoje dividido, no que à vivência e entendimento político diz respeito, em dois grandes grupos: os que têm memória do anterior regime e aqueles que a não têm. Depois, dentro de cada um destes dois grandes grupos, ocorre nova distinção: os saudosistas, os inconformistas e, a grande maioria, os indiferentes. Por mais que me custe, e acreditem que custa, foram muitos os que abdicaram do exercício da cidadania, por tomarem por garantidos os direitos de que usufruem.
Temos depois a classe política, useira e vezeira em fazer promessas que não cumpre, iludindo as expectativas de quem os elege. Uma classe política cujo substrato se foi gradualmente alterando, passando de homens e mulheres com memória e passado, com ideologia, para gente que cresceu nas juventudes partidárias, com menos princípios e mais demagogia, mais preocupada com a sua vidinha do que com o bem do país, mais interessada nas vitórias de Pirro da guerrilha política do que com o interesse do Estado.
A comparação de líderes do passado, Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Álvaro Cunhal, para citar alguns, com os actuais, José Sócrates, Pedro Passos Coelho, Paulo Portas e Jerónimo de Sousa, resulta pouco abonatória para estes últimos. Os líderes de hoje, excluindo Jerónimo de Sousa, que continua a desbobinar a dogmática cassete, apesar de aparentemente diferentes na ideologia que defendem, são na prática farinha do mesmo saco, com as diferenças ideológicas entre esquerda e direita cada vez mais esbatidas.
E eis-nos chegados à confrangedora situação actual, com uma campanha presidencial morna, feita mais de ataques pessoais do que do debate de ideias, com gente que é enfiada em autocarros no Algarve para compor salas em Lisboa, sem saber bem ao que vai, que em vez de interpelar os candidatos com questões válidas lhes pede t-shirts e canetas. Estes ainda não são os piores, mobilizados que estão pelas estruturas locais dos partidos para votarem. Piores são aqueles, como ainda ontem presenciei, que não sabem sequer que vão decorrer eleições presidenciais ou, sabendo que há eleições, desconhecem para que efeito, num total e assustador alheamento da vida do país.
Valendo o que vale, aqui fica um apelo: a bem da Democracia, do vosso próprio bem, do bem dos vossos concidadãos, quer votem no candidato que melhor defenda os vossos interesses, a vossa visão da vida e do país, quer votem de olhos fechados, em quem alguém vos disse para votarem, quer votem em branco, não se abstenham no próximo Domingo. Por várias razões: pelo facto, e eu sei que é uma frase feita mas não é, por isso, menos verdadeira, de que não votar é votar em quem se não quer, pelo facto de que, com cada abstenção, diminui a nossa cidadania comum. Não abram caminho a que, num futuro talvez não muito distante, alguém ache não serem necessárias eleições, porque o Povo, que um dia teve esse direito, dele abdicou.
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1 comentário:
Eu pela parte que me toca vou votar e desde os 18 anos que o tenho feito sempre com convicção. Mais que um direito, é um dever cívico que nos foi conferido pelos lutadores de Abril, há quase 37 anos, mas parece que muita gente se esqueceu disse e a outros nunca lhes foi explicado convenientemente. Se tivesse que opinar acerca de uma atribuição de responsabilidades sobre a indiferença popular e sobre o estado a que isto chegou, creio que o meu fiel da balança penderia mais para o lado dos consecutivos (ir)responsáveis políticos do para o Zé Povinho, e para comprovar isto mesmo temos, infelizmente, na praça pública, exemplos de sobra! Mas também é bem verdade que alguma coisa tem que mudar urgentemente na atitude amorfa do povo português, que tanto exemplos gloriosos deu no passado!
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