segunda-feira, 22 de março de 2010

"Não temos conhecimento oficial"

Tenho andado muito ocupado, o que se reflecte na minha produção no blogue, mas não ando por isso menos atento.

Veio recentemente a lume a informação de que 10 padres, entre os anos de 2003 e 2007, teriam sido indiciados por abuso sexual de menores, vulgo pedofilia. Não foi revelado se contra estes foi deduzida acusação ou, tendo havido julgamento, qual a sentença aplicada. Questionado sobre este assunto, o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, Pe. Manuel Morujão, disse em entrevista à RTP que não havia conhecimento oficial deste facto. Não temos conhecimento oficial. Repito a frase porque me ficou a girar na cabeça, sem que eu entendesse muito bem porquê, até perceber que ficaria muito mais tranquilo se esta fosse apenas “não temos conhecimento”, ponto final. Não ter conhecimento oficial soa-me a preciosismo semântico, a artifício retórico, soa-me a falso. Não acredito por um minuto que outros padres ou os bispos das dioceses dos indiciados não tivessem conhecimento da situação.

Num efeito de bola de neve em galopante crescimento, em todos os continentes, sucedem-se denúncias de abuso sexual de menores por parte de membros da Igreja Católica, na maioria dos casos com o conhecimento, quando não com a complacência, da respectiva hierarquia. Sendo a Teologia um assunto que me agrada, porque conhecendo as religiões melhor entendo o Homem, sou agnóstico convicto, nada tendo contra a Igreja Católica, contra qualquer outra igreja ou religião. Isto para dizer que é minha convicção profunda que este crime não é exclusivo de uma qualquer igreja ou credo: é um crime praticado por homens e mulheres, transversal a todas as sociedades e estratos sociais. Torna-se, do ponto de vista moral e ético, mais grave, porque viola princípios que as próprias religiões impõem aos seus seguidores, por maioria de razão aos que se enquadram nas respectivas hierarquias, e do ponto de vista legal, porque sendo pessoas que ocupam lugar de destaque e responsabilidade na nossa sociedade, a quem cabe quota-parte da educação da nossa juventude, se servem dessa posição privilegiada para cometer os seus crimes.

Algumas religiões são peremptórias ao impedir os seus clérigos de estabelecer relações carnais com outrem, obrigando ao celibato, enquanto outras o permitem. Mas este não é um problema que tenha a ver com o celibato: relações consensuais entre adultos são uma coisa, ainda que um deles ou ambos sejam membros do clero, relações, ainda que aparentemente consensuais, com menores, que pela sua imaturidade não possuem o necessário discernimento e resistência psicológica, são outra. As primeiras são assunto que apenas dizem respeito às igrejas, ao respectivo Direito Canónico, as segundas caem sob a alçada do Código Penal. Não é também um problema de orientação sexual, como muitos pretendem fazer crer, lançando uma vez mais o labéu sobre os homossexuais, numa confusão que me espanta, entre pedofilia e homossexualidade, como se não houvesse pedófilos heterossexuais.

As religiões que estudei, cristianismo, islamismo, judaísmo, budismo, aquelas que maior número de fiéis congregam no mundo, são solidárias quando se trata da protecção de crianças, veementes na condenação da pedofilia. Volto a frisar que este não é um problema de igrejas ou religiões. Só passa a sê-lo quando, num criminoso espírito corporativo, estas situações são encobertas, quando deveriam ser denunciadas, por quem detém a responsabilidade e o poder. Enterrar a cabeça na areia nunca foi solução para resolver problema algum. E quando a malha da peneira é do tamanho do mundo, que sol se pretenderá tapar?
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imagem daqui: http://ateus.net/humor/cartoons/dia_da_pedofilia.php

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