segunda-feira, 11 de julho de 2005

Pegadas


Cheguei de madrugada como os malfeitores, de gola levantada sobre a nuca, o olhar furtivo, a andar passos de gato. O sussurro do vento segreda-me rebates de consciência enquanto caminho pela praia deserta: - Não vás, não vás, não vás...
Estou de volta à praia onde tomei o meu último banho da meia-noite, o banho que lavou os últimos resquícios da minha inocência. Nessa outra madrugada dei e recebi.
Hoje sigo de tronco inclinado para a frente, punhos fechados, a saborear o gosto salgado da névoa que me envolve.
De mãos vazias, de mãos há muito ocas de sentir, há muito frias do calor de outro corpo.
Qe me trouxe o alvorecer dessa outra madrugada? Um nome, um número de telefone, uma morada, escritos numa agenda a lápis, debaixo do título "Férias-80", na página a seguir a "Férias-79" e a outros nomes que já não lembro, a outros telefonemas que nunca fiz, a outras cartas que nunca escrevi.
E hoje regressei depois de muitos verões.
- Não vás, não vás, não vás...
É novamente o vento ou a memória de palavras ditas baixinho e que a areia em que fizeram sua cama repete como um eco?
Mas eu fui. E agora, o que me sobra?
Sobram as deléveis pegadas que marcam o areal a que dou costas e me perseguem com a tenacidade da sombra.
foto: José Carlos

3 comentários:

Anónimo disse...

Ah, o terrível voltar ou não......... parafraseando a canção 'não, não és o único'. Abraço, Magude!, IO.

Carlos Gil disse...

Chiça, temos mangusso e dos perigosos! ;-)

Madalena disse...

Vai! Rebates de consciência não são a consciência toda. O pior de tudo é mesmo a dúvida. Esse é o estado que tens de evitar a todo o custo. Um beijinho ganda magood!