quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Malangatana


A primeira exposição de pintura que a minha memória recorda ocorreu em Lourenço Marques (Maputo), em ano que não consigo precisar. Relembro vagamente um nome, Casa Amarela, que creio ter sido o local onde a mesma decorreu. Mas recordo, de modo indelével, o nome do pintor: Malangatana.

Menino de 8 ou 9 anos, vivendo numa pequena vila de interior, no “mato”, como então se dizia, com pouco ou nenhum acesso a bens culturais, as únicas pinturas que conhecia, exceptuando os quadros que pendiam na igreja da Missão Vicentina de S. Jerónimo de Magude, eram as reproduzidas nos livros da Primária.

Nesse cérebro de menino, condicionado pelo conhecimento de algumas (poucas) pinturas de matriz ocidental, a exposição de Malangatana explodiu em manchas de cor e luz, em formas e motivos diferentes e inusitados. Sem entender conceitos nem mensagens (ainda hoje reduzo a apreciação das artes a um gosto-não gosto, sem grandes preocupações filosóficas), pela primeira vez percebi que havia todo um mundo para além da percepção ocidental da realidade. Recordo ocres e vermelhos carregados, traços bem definidos, multidões de rostos de lábios grossos e carapinhas, uma coisa telúrica e tribal.

Malangatana deu-me Moçambique de uma forma que, apesar do contacto diário com a realidade da terra, não poderia, pelo menos tão cedo, ter atingido de outra forma. Não fora assim, e teria talvez regressado a Portugal sem me sentir moçambicano, mais europeu que africano, que é o que sinto ser, apesar do bilhete de identidade. Obrigado Malangatana!

Malangatana Valente Nguenha (Matalana, distrito de Marracuene, 6 de Junho de 1936 - Matosinhos, 5 de Janeiro de 2011) .
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imagem: caminhosdamemoria.wordpress.com

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